Revista Diversidades n.º 40 Periodicidade trimestral Ano 11 Abril, maio, junho de 2013 Título: Repensar a Educação Índice Editorial A gestão da diversidade de públicos escolares: O agrupamento dos alunos em turmas Virgínio Sá e Fátima Antunes A via sinuosa: formar uma elite ou educar um povo? Políticas educativas e desenvolvimentos recentes no ensino secundário Fátima Antunes Paulo Freire e a educação permanente: O ser humano jamais para de educar-se Licínio Lima Do nascimento à morte da Escola Pedro Urbano Estatuto do Aluno, Educação e Democracia: Uma perspetiva e algumas interrogações Carlos Gomes Violência e ambiente escolar: Projeto Carta da Convivialidade Fernando Melim Avaliação de professores: Algumas lições aprendidas Maria Assunção Flores Legislação Espaço TIC Livros Notícias Ficha Técnica Diretor João Manuel Almeida Estanqueiro Redação Serviços da Direção Regional de Educação e Colaboradores externos Revisão Divisão de Apoio Técnico Morada Rua D. João n.º 57 9054-510 Funchal Telefone: 291 705 860 Telemóvel: 961 133 120 Fax: 291 705 869 Email revistadiversidades@madeira-edu.pt Grafismo e Paginação Divisão de Apoio Técnico ISSN 1646-1819 Distribuição Gratuita Fotos Direção Regional de Educação / Agrilifetoday / Archerphoto.eu / Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo da Madeira / campuspartybrasil/ Christiane Schmidt/ ESMTG / Instituto Ayrton Senna / Instituto EcoFaxina / Jonas Banhos / Jornalismo de Futuro / Licínio Lima / Marcelo Melim / memoria.pt / Miguel Pires da Rosa / paulicasantos / Robert S. Donovan / Rose Nunes / SESI SP / Sr. BranquinhuH °© Editorial João Estanqueiro Diretor Regional de Educação Mais um número da Diversidades está nas nossas caixas de correio, este não dedicado a uma temática específica, mas abordando, transversalmente, diversas áreas do conhecimento no âmbito da educação e cuja leitura nos estimulará à reflexão e ação. A gestão da diversidade de públicos escolares e A via sinuosa: formar uma elite ou educar um povo? constituem os dois primeiros artigos, respetivamente de Virgínio Sá e Fátima Antunes, e enquadram-se naquilo que são os processos de (multi)regulação da educação, para utilizar as palavras do autor1. Colocados sob as chamas dos fogos que lavram na floresta das opiniões publicadas e alvo de acesas discussões, estes debates variam entre a dramatização da crise e a diabolização da mudança, parafraseando Barroso2, ou, utilizando um outro registo, na eterna questão do elefante dentro da loja de porcelanas: como conciliar a consolidação da escola para todos com a excelência académica3? Haverá contradição entre performance e pedagogia? Eu enquadraria a dialética temática entre os Filhos de Rousseau4 e Orgulhosamente Filhos de Rousseau5! Uma nota para referir que estas questões serão debatidas, entre nós, brevemente, quer através de conferências, quer de painéis, no II Encontro Regional de Educação - I Encontro Internacional de Educação Especial, que acontecerá nos dias 5, 6 e 7 de dezembro, no Madeira Tecnopolo-Funchal. Neste Encontro contaremos com a presença de ilustres estudiosos e figuras públicas: Virgínio Sá e Fátima Antunes da Universidade do Minho; dos coordenadores dos projetos Fenix que surgiu no Agrupamento de Escolas de Campo Aberto, Beiriz, no concelho da Póvoa do Varzim; dos coordenadores Turma Mais que nasceu na Escola Secundária Rainha Santa Isabel em Estremoz, respetivamente, Luísa Moreira e Teodolinda Cruz; com o testemunho de responsáveis da Escola da Ponte, localizada em S. Tomé de Negrelos, Santo Tirso, no Distrito do Porto; António Neto Mendes da Universidade de Aveiro; Carlos Estêvão e Carlos Gomes, também da Universidade do Minho; Paula Guimarães da Universidade de Lisboa; Laborinho Lúcio, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça; Cidália Rebelo, a trabalhar neste momento, também na Universidade do Minho; Ana Maria Eyng da Pontifícia Universidade Católica do Paraná; Jorge Moreira, António Pires e Nuno Jardim, respetivamente das escolas Jaime Moniz, Francisco Franco e Eduardo Brazão de Castro; Micaela Silva da escola Bartolomeu Perestrelo; Marcelo Melim, um dos coordenadores do projeto Convivialidade e Ambiente Escolar e Sara Estudante da direção regional de Qualificação Profissional. Faz-se, também, uma referência aos colegas provenientes de 15 países diferentes da Europa que, no âmbito do Programa Aprendizagem ao Longo da Vida, estarão, entre nós, nessa semana que coincide com a SRPNE6 e que, de forma plural e inconformada, nos darão a sua visão sobre “os mundos” das necessidades educativas especiais no velho continente, ocasião única para trocar experiências e partilhar conhecimentos. Licínio Lima presenteia-nos com um artigo atualíssimo, à la page, como diriam os franceses, em que mais do que serpentear as ondas, mergulha nas profundezas imensas das águas que se agitam, ao discorrer sobre a educação permanente e Paulo Freire. E importa lembrar que Licínio Lima é, fora do Brasil, o maior especialista7 no estudo da obra de Paulo Freire. Recorda-nos (Lima) que o programa de ajustamento da educação permanente, se encontra, agora, em boa parte reduzido a programas de formação profissional contínua e a estratégias individuais de aprendizagem, consagrando-se, como nunca antes na história, a hegemonia da visão tecnicista sobre a educação, sublinhando aquilo que é o processo de legitimação da crise e das condições estruturais da sua emergência. Alerta-nos que é crucial evitar a institucionalização de processos de educação e formação com objetivos apenas paliativos, de mera gestão da crise, os quais buscam somente amortecer os efeitos mais negativos e mais dramáticos da precariedade e das elevadas taxas de desemprego estrutural. Pedro Urbano, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, faz o registo escrito daquilo que foi a sua conferência no I Encontro Regional de Educação realizado no Funchal, com o título Do Nascimento à Morte da Escola, discorrendo entre a “Revolução ?” ou o nascimento da Escola e a «Revolução ?» ou a morte de um paradigma de Escola, num artigo interessantíssimo que nos impele à reflexão e a um debate franco e descomplexado. Diria que Carlos Alberto Gomes se antecipa a alguns dos nossos anseios e questionamentos, ao debruçar-se sobre o Estatuto do Aluno, Educação e Democracia: Uma perspetiva e algumas interrogações. De referir que este autor vem trabalhando esta problemática, tendo organizado, com colegas8 do seu departamento o VIII Curso de Verão - Círculo de Saberes 2013, sob o tema “Escola, Cidadania e Estatuto do Aluno: olhares e experiências plurais”, curso este que em breve queremos trazer à Madeira. A Construção de uma escola democrática e humanista… … e de construção de uma escola com regras, com disciplina, mas não autoritária, são dois momentos importantes, diria mesmo, de cogitação introspetiva para cada um de nós. Marcelo Melim, coordenador, em conjunto com Gonçalo Olim, do Projeto Violência e Ambiente Escolar-Projeto Carta da Convivialidade, dar-nos-á conta, em primeira mão, dos pressupostos e principais focos de intervenção deste projeto, uma iniciativa concertada e de âmbito global, a decorrer nas escolas de 2.º e 3.º ciclos da Região Autónoma da Madeira. Maria Assunção Flores, investigadora da Universidade do Minho, encerra com chave de ouro esta edição da Diversidades, ao tratar um dos temas que tem andado na nossa ordem do dia, com o título, Avaliação de Professores: Algumas Lições Aprendidas. De recordar que esta autora esteve presente, também, entre nós, no I Encontro Regional de Educação realizado no Funchal, tendo proferido uma conferência, agora condensada, neste número, em registo escrito, tendo, igualmente, constituído o painel de intervenientes no programa da RTP Madeira, Interesse Público, de 12 de dezembro, dedicado à avaliação de docentes e avaliação de escolas. Não querendo emitir juízos de valor e, por (sobretudo) neste caso, ser juiz em causa própria, não posso deixar de realçar que este número da Diversidades é um exemplar para ler, reler e aprofundar cada uma das temáticas que aí se encontram expressas, encontrando ou não as intertextualidades possíveis, num processo de, como diz Paulo Freire, enfrentamento entre o leitor, o autor e os textos. Notas 1 Antunes, F., & SÁ, V. (2010). Públicos Escolares e Regulação da Educação. Lutas Concorrenciais na Arena Educativa. Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão. 2 Barroso, J. (Org.) (2003). A Escola Pública: regulação, desregulação, privatização. Porto: Edições ASA. 3 Magalhães, A. M., & Stoer, S. R. (2002). A Escola Para Todos e a Excelência Académica. São Paulo: Cortez Editora. 4 Mónica, F. (1997). Os Filhos de Rousseau. Lisboa: Relógio d’Água. 5 Magalhães, A. M., & Stoer, S. R. (1998). Orgulhosamente Filhos de Rousseau. Porto: Prof Edições. 6 Semana Regional da Pessoa com Necessidades Especiais. 7 Não obstante ele se considerar numa entrevista à Revista e-curriculum da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, v. 1, n. 2, junho de 2006, como “ (…) um estudante, um estudante universitário digamos assim; e o estudante universitário estuda lendo as obras dos autores e escrevendo sobre elas. (…)” 8 Concretamente, Fernanda Martins, Manuel Sarmento, Maria José Casa Nova, Natália Fernandes e Teresa Sarmento. Artigos A gestão da diversidade de públicos escolares: O agrupamento dos alunos em turmas Virgínio Sá e Fátima Antunesi - Universidade do Minho / Instituto de Educação 1. A “classe” como “invariante estrutural” da “gramática da escola” Barroso (2003, p. 28) sustenta que “A permanência e naturalização de um modo uniforme de organização pedagógica, cuja matriz essencial é o ‘ensino em classe’, constituem um dos fatores mais estruturantes do ‘modelo escolar’ que está na base da escola pública.” Defende ainda este autor que a classe, assente no “princípio da homogeneidade”1, resultou da “necessidade de adaptar, ao ensino coletivo, as modalidades que eram tradicionalmente adotadas no ensino doméstico, baseadas na relação face a face entre um mestre e o seu discípulo”. A progressiva expansão dos efetivos escolares e a persistência do ensino individual como paradigma de referência colocaram o sistema escolar perante o desafio de “ensinar a muitos como se fossem um só”. Para operacionalizar a “tecnologia da sala de aula” que aquele desafio colocava, tornou-se indispensável homogeneizar os grupos de alunos que seriam objeto da mesma lição. A criação das “classes graduadas pela idade e pelos conhecimentos, com a finalidade de ser dispensado, de maneira simultânea, um ensino uniforme a um mesmo conjunto de alunos” (Barroso, 1995, p. 10) exigiu o desenvolvimento de uma “engenharia escolar específica” que, apesar de contestada e objeto de sucessivos ensaios reformistas, sobrevive quase intacta até à atualidade como uma das “invariantes estruturais” mais marcantes da “gramática da escola” e, simultaneamente, das mais naturalizadas e, consequentemente, menos visíveis (Formosinho, 2012, p.13). Esta componente do “currículo oculto” da escola, pela sua natureza de divisão rígida de alunos, submetidos a um currículo e pedagogia uniformes, com horários semanais normalizados e uma divisão do tempo padronizada e processos avaliativos tendencialmente centralizados e estandardizados, constitui, na opinião de diversos autores, uma das causas do abandono e do fracasso escolares e de “exclusão pela inclusão” (Barroso, 2003, p. 27). Não surpreende, por isso, que este modo secular de agrupamento de alunos, que progressivamente evoluiu para um padrão organizativo que contaminou toda a arquitetura pedagógica da escola, tenha sido objeto de críticas contundentes e de ensaios reformistas que tentaram implementar modelos organizativos alternativos capazes de permitir “ensinar a todos como sendo cada um”. 2. Modalidades de agrupamento de alunos: homogeneidade versus heterogeneidade Na verdade, ao longo dos últimos cem anos, têm sido sugeridas e experimentadas diferentes propostas com o objetivo de operacionalizar uma “Escola por medida” que responda ao (e potencie o) arco-íris cultural (Cortesão,1998) inerente à escola de massas. Sobretudo a partir do início da década de 70 do século passado, em parte como resposta à “segunda edição da retórica inovadora contra a organização da escola por classes graduadas e contra o ensino simultâneo” (Barroso, 1995, p. 14), o recurso à flexibilização do agrupamento dos alunos, nomeadamente através do seu reagrupamento com base no desempenho académico (ability grouping), conheceu diversos ensaios no terreno e induziu diversas investigações que procuraram avaliar os seus efeitos académicos e não académicos (nomeadamente sobre a autoestima, as atitudes face à escola e a alienação dos alunos). 2.1 Agrupamento de alunos e desempenho académico O processo de agrupamento dos alunos2 com base no desempenho académico pode assumir formas e modalidades muito diversas, sendo que os efeitos desse agrupamento parecem variar significativamente em função da modalidade adotada (Allan, 1991; Ireson & Hallam, 1999). Em termos muito genéricos podemos discriminar os seguintes tipos de agrupamento de alunos: i) Turmas de nível, relativamente estanques, em que os alunos são integrados em função do seu desempenho académico e onde permanecem ao longo de todo o ano escolar; ii) Turmas heterogéneas em que os alunos são reagrupados em função do seu desempenho académico apenas em algumas disciplinas (habitualmente matemática e a língua materna) e ensinados separadamente, em grupos de nível, nessas disciplinas; iii) Plano Joplin - os alunos são organizados em grupos de nível para o desenvolvimento de competências de leitura; iv) Planos não graduados - os alunos são organizados em grupos de acordo com o seu desempenho académico em cada disciplina ou competência a desenvolver; v) Grupos de nível dentro da turma - consoante o seu desempenho académico, os alunos são distribuídos em pequenos grupos no interior da turma. Cada um destes modos de agrupamento dos alunos pode ser utilizado isoladamente ou em combinação entre si. Apesar da investigação sobre os efeitos dos diferentes agrupamentos dos alunos ter já uma “longa história”, que remonta ao início do séc. XX, são poucas as “conclusões” partilhadas pelos vários estudos, seja devido a “fragilidades metodológicas”, seja porque, como afirmam as mesmas autoras, “O agrupamento dos alunos é apenas um dos vários fatores que afetam o ambiente de aprendizagem da sala de aula” (Ireson & Hallam, 1999, p. 345)3. Na verdade, alguns estudos sugerem que quando se altera apenas o modo de agrupamento dos alunos, não se observam diferenças significativas entre as turmas heterogéneas e as turmas homogéneas. As diferenças, variáveis em função das várias modalidades de agrupamento e do nível de desempenho inicial, tendem a acentuar-se quando os grupos, organizados em função da proximidade de desempenhos académicos, beneficiam de métodos de ensino específicos em sintonia com o seu ritmo de aprendizagem e de ajustamentos no currículo. Tomando por referência as meta-análises de algumas dezenas de estudos realizadas por Kulik e Kulik (1982; 1987; 1992) e por Slavin (1987; 1990), em que o objeto de estudo foi uma análise comparativa dos desempenhos académicos dos alunos em função dos diferentes modos de os agrupar, Ireson e Hallam (1999) concluem que, no caso da meta-análise de Slavin, em que foram escrutinados 43 estudos (14 em escolas elementares e 29 em escolas secundárias, incluindo escolas americanas e britânicas), “os efeitos de agrupamento com base na capacidade foram basicamente zero” (p. 346). No caso da meta análise de Kulik e Kulik, foram analisados cinco programas diferentes de agrupamento dos alunos: turmas multinível; agrupamento com base na idade; agrupamentos dentro da mesma turma; turmas com currículo enriquecido (enriched classes); turmas em que o ritmo de ensino é mais rápido (accelerated classes). Destes cinco modos de agrupar os alunos, nas “turmas multinível”4 não se observaram diferenças significativas de desempenho, embora os ganhos para os alunos de alto rendimento fossem superiores à média do desempenho. No caso dos agrupamentos em que os alunos foram organizados em função do nível de desempenho numa determinada disciplina (habitualmente a língua materna - o denominado plano Joplin), independentemente do ano de escolaridade que frequentavam (cross-grade--groups), o efeito médio nos 14 estudos considerados foi de 0.3. Dos 11 estudos em que os alunos foram agrupados, dentro da respetiva turma, em subgrupos em função do seu desempenho, em 9 registou-se uma melhoria global do desempenho. Em 25 dos 22 estudos em que foram criadas turmas para os alunos mais talentosos com um currículo mais exigente (enriched classes), observou-se um ganho médio no desempenho de 0.41. Nos casos em que foi proporcionada aos alunos de alto rendimento académico a frequência de turmas que podiam progredir mais rapidamente no seu percurso escolar (accelerated-classes) os ganhos médios foram de 0.87. Contudo, alguns destes estudos, e as respetivas conclusões, têm sido criticados, devido quer a algumas fragilidades no desenho técnico-metodológico, quer à falta de discriminação dos resultados em função, por exemplo, dos vários grupos de nível criados ou da consideração (ou não) de outras mudanças, nomeadamente de ajustamento curricular. Concluem, por isso, Ireson e Hallam (1999, p. 347) que “Os resultados contraditórios das meta-análises sugerem que o agrupamento dos alunos com base no desempenho académico impacta sobre (ou opera em conjunto com) outros fatores para produzir os seus efeitos”, sendo que o fator mais determinante parece ser a qualidade da instrução e do currículo oferecidos em cada contexto de aprendizagem. 2.2 Agrupamento de alunos, autoestima e atitudes face à escola Os efeitos de um determinado modo de agrupamento dos alunos não se esgotam no seu (eventual) impacto no desempenho académico. No caso do agrupamento com base nas competências académicas dos alunos, os críticos denunciam sobretudo as consequências afetivas negativas ao nível da autoestima e do autoconceito, e das atitudes face à escola e à escolarização, nos alunos que são arrumados nos grupos ou turmas de baixo desempenho. Na síntese da literatura internacional realizada por Gamoran e Berends (1987), reportada por Ireson e Hallam (1999), aponta-se para os efeitos negativos do agrupamento dos alunos, com base nas suas competências académicas, na motivação e autoestima dos grupos alocados em turmas de baixo rendimento. Contudo, também em relação a este aspeto, parece não haver consenso entre os especialistas. No caso da meta-análise realizada por Kulik e Kulik (1992), em que são escrutinados 13 estudos sobre os efeitos do “ability grouping” sobre a autoestima dos alunos, os autores concluíram não existir nenhum efeito global sobre a autoestima, embora notassem, em contracorrente com os estudos antes referidos, que o agrupamento dos alunos com base no desempenho académico tendia a elevar os “scores” da autoestima dos alunos de baixo desempenho e a baixar os “scores” da autoestima dos alunos de alto rendimento. Mais uma vez parece estarmos perante um efeito não linear do modo de agrupamento sobre a autoestima, isto é, os efeitos sobre a autoestima parecem ser mediados por outros fatores, particularmente a postura profissional dos professores, o grupos de pares e, mais globalmente, pelo “ethos” da escola. No que concerne às relações entre o modo de agrupamento dos alunos e as atitudes face à escola e ao empenho nos processos de escolarização, Ireson e Hallam (1999) referem que as investigações etnográficas levadas a cabo na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América durante a fase em que os alunos eram encaminhados para as diferentes fileiras em função do seu desempenho académico, apontam para atitudes anti-escola e para comportamentos de alienação por parte dos alunos que eram enclausurados nas fileiras de baixo desempenho. Acresce ainda, afirmam os mesmos autores com base em estudos diversos (Ball, 1981; Burgess, 1986; Hargreaves, 1967; Keddie, 1971; Lacey, 1974; Shwartz, 1981), que os professores tendem a inferir as propriedades humanas e académicas dos alunos a partir do grupo de nível em que os mesmos se encontram. 3. Em jeito de conclusão: “homogeneidade relativa” e sucesso para todos? Considerando que a qualidade (e a quantidade) da educação dispensada em cada um dos grupos tende a ser diferente, e que é nos grupos de mais baixo desempenho (onde há uma sobre representação dos grupos de baixo estatuto socioeconómico) que essa qualidade é inferior, como diversos estudos têm posto em evidência5, então a organização de turmas de nível pode representar uma negação do acesso a certas oportunidades educacionais a grupos sociais específicos, com consequências na democratização do acesso às oportunidades socioprofissionais futuras. Importa, por isso, analisar em que medida as experiências pedagógicas ao nível do agrupamento dos alunos, em curso em Portugal, patrocinadas pelo Ministério da Educação e Ciência6, configuram uma nova oportunidade para jovens aparentemente esquecidos nas turmas heterogéneas, ou se, pelo contrário, dualizam o sistema criando nichos de excelência para alguns e guetos de exclusão para a maioria. Assim, entre outras questões, importa saber que critérios, princípios e racionalidades sustentam a “homogeneidade relativa”, enquanto princípio organizador do agrupamento dos alunos? Quais os efeitos dos novos modos de agrupamento dos alunos, da organização dos espaços e dos tempos e da diferenciação pedagógica na promoção do “sucesso para todos”? Quais as propriedades sociais e académicas dos alunos das turmas (e dos subgrupos constituídos no seu interior) envolvidas nos modos alternativos de organização pedagógica? Quais os modos de aferir a “homogeneidade relativa” dos alunos que integram um determinado grupo? Quais as consequências da “contratualização” associada a esses novos dispositivos sobre a autonomia profissional docente? Notas 1 Esclarece Barroso (2003, p. 28) que o “princípio da homogeneidade” se aplicava às normas, aos espaços, aos tempos, aos alunos, aos professores, aos saberes e aos processos de inculcação. 2 Historicamente, em Portugal, o agrupamento dos alunos para efeitos do processo de ensino aprendizagem tem-se baseado em critérios muito diversos. Barroso (1995, pp. 652-67), numa análise que realizou a um corpus constituído por 546 relatórios dos liceus produzidos pelos respetivos reitores no período compreendido entre 1835-1836 e 1959-1960, identificou 14 tipos de critérios (mobilizados isoladamente ou em combinação) utilizados na constituição de turmas, critérios que depois agrupou em três grandes categorias: i) os que visavam a separação por sexos; ii) os que visavam criar homogeneidade dos alunos de cada turma; iii) os que visavam criar turmas deliberadamente heterogéneas. A categoria que agrega os critérios orientados para assegurar a homogeneidade das turmas é a que apresenta o maior número de ocorrências (208 ocorrências contra 50 ocorrências na categoria da heterogeneidade). Dentro da categoria “homogeneidade” destacam-se os critérios da idade e o da separação entre os alunos “fracos” e “fortes” determinada pelos resultados dos exames de admissão. 3 Estas autoras sumarizam as “dificuldades metodológicas” com que se confrontam estes estudos em cinco grupos: i) dada a pluralidade de modalidades e de combinações possíveis para agrupar os alunos, é difícil alocar as escolas estudadas às categorias acima identificadas; ii) os projetos de investigação frequentemente concentram-se ou nos efeitos académicos ou nos efeitos sociais, dificultando a análise dos resultados globais; iii) os diferentes projetos de investigação utilizam distintos tipos de medição para aferir os resultados das várias modalidades de agrupamento, tornando as comparações problemáticas; iv) os dados de investigação mais recentes apontam para resultados variáveis em função das escolas, das comunidades e dos contextos culturais; v) além disso, alguns dados de investigação sugerem que, numa mesma escola, os resultados não são consistentes em dimensão, ao longo do tempo, entre as várias disciplinas, ou entre os diferentes professores. (Ireson & Hallam, 1999, p. 344-345). 4 Esclarecem Ireson & Hallam (1999) que as “turmas multinível” são aquelas em que “os estudantes do mesmo ano de escolaridade são divididos em grupos em função do seu desempenho e ensinados em turmas à parte quer para o conjunto do currículo, quer em disciplinas específicas”. 5 Afirmam Ireson & Hallam (1999, p. 351) que “A substantial literature indicates the tendency for instruction in lower ability groups to be of different quality to that provided for high groups (Evertson, 1982; Gamoran, 1986; Oakes, 1985).” 6 Referimo-nos aqui ao Projeto Turma Mais, ao Projeto Fénix e ao Modelo Híbrido integrados no Programa Mais Sucesso Educativo. Bibliografia Allan, S. (1991). Ability grouping research reviews: What do they say about grouping and the gifted? Educational Leadership, March/1991. Ball, S.J. (1981). Beachside comprehensive: a case-study of secondary schooling. Cambridge: Cambridge University Press. Barroso, J. (1995). Os Liceus. Organização pedagógica e administração(1836-1960). Lisboa: FCT/JNICT Barroso, J. (2003). Factores organizacionais da exclusão escolar. A inclusão exclusiva. In D. Rodrigues (Org.), Perspectivas sobre a inclusão. Da educação à sociedade. Porto: Porto Editora. Burgess, R.G. (1986). Education, Schools and Society. London: Batsford. Cortesão, L. (1998). O arco-íris na sala de aula? Processos de organização de turmas: Reflexões críticas. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional. Duru-Bellat, M. (2006). L’inflation scolaire. Les désilusions de la méritocracie. Paris: La Seuil. Formosinho, J. (2012). Mexidas no currículo não resolvem problemas de organização nem de diferenciação pedagógica (Entrevista a João Formosinho conduzida por António Baldaia). A Página, Série II, n.º 196, pp. 8-18. Hargreaves, D.H. (1967). Social Relations in a Secondary School. London: Tinling. Ireson, J., & Hallam, S. (1999). Raising standards: is ability grouping the answer? Oxford Review of Education, 25(3), 343-358. Keddie, N. (1971). Classroom knowledge. In M. F. D. Young (Ed.), Knowledge and control. London: Collier-MacMillan. Kulik, C-L. C., & Kulik, J.A. (1982). Effects of ability grouping on secondary school students: a meta-analysis of evaluation findings. American Educational Research Journal, 19, 415-428. Kulik, J.A., & Kulik, C-L. C. (1987). Effects of ability grouping on student achievement. Equity and Excellence, 23(1-2), 22-30. Kulik, J.A., & Kulik, C-L.C. (1992). Meta-analytic findings on grouping programs. Gifted child quarterly, 36(2), 73-77. Lacey, C. (1974). Destreaming in a `pressured’ academic environment. In J. Eggleston (Ed.), Contemporary research in the sociology of education. London: Methuen. Legrand, L. (1982). Pour un collège démocratique. Paris: Ministère de l’Éducation Nationale. MEC/DGE (2012). Relatório de Avaliação Anual do Programa Mais Sucesso Escolar 2010/2011. Lisboa: Ministério da Educação e Ciência. Meirieu, P. (1989). De la classe-progrès à la classe-obstacle. Cahiers Pédagogiques, 279, 8-9. Schwartz, F. (1981). Supporting or subverting learning: peer groups patterns in four tracked schools. Anthropology and Education Quarterly, 12, 99-121. Slavin, R.E. (1987). Ability grouping and student achievement in elementary schools: a best evidence synthesis. Review of Educational Research, 57(3), 293-336. Slavin, R.E. (1990). Achievement effects of ability grouping in secondary schools: a best evidence synthesis. Review of Educational Research, 60, 471-490. Vasconcelos, F. (1921-1929). Problemas escolares. Lisboa: Seara Nova, 2 Vols. i Endereço de correio eletrónico: virsa@ie.uminho.pt fantunes@ie.uminho.pt A via sinuosa: formar uma elite ou educar um povo? Políticas educativas e desenvolvimentos recentes no ensino secundário1 Fátima Antunesi - Universidade do Minho / Instituto de Educação 1. Um quadro em breves traços2 Segundo os últimos dados conhecidos, em 2011/2012, a educação profissional envolveu 146.962 jovens (42,5%) de um universo de 346.093 estudantes do ensino secundário 3 (DGEEC, s/d). Em 2005/2006, os 113.156 inscritos em modalidades de educação profissional totalizavam cerca de 37,5% dos jovens matriculados no ensino secundário3. Nos seis anos considerados, cresceu (5 pontos percentuais - pp) o peso e o volume de efetivos (33.806) da educação profissional entre aqueles últimos. Proporcionalmente, neste segmento o número de inscritos aumentou quase 30% (29,9%), enquanto o ensino secundário3 no seu conjunto se ficou por um incremento de cerca de metade daquele valor (14,7%), em boa medida resultante da captação de novos alunos nas modalidades profissionais (11,2%). Se tomarmos por referência a última metade da década passada até 2011/2012 (último ano em que há dados), há evoluções desiguais e irregulares. Por um lado, a taxa de escolarização vem crescendo, em benefício da permanência dos jovens nos estudos; por outro lado, o sucesso, incluindo a taxa de conclusão, que aumentou num primeiro momento entre 2005 e 2008, tem vindo a deteriorar-se, com uma queda, variável segundo as modalidades, mas que, em 2011/2012, chegava a cerca de 10 pp., de 78,8% para 68,8%, nos Cursos Profissionais, onde se encontra a maior parcela de inscritos na fileira de dupla certificação (GEPE/ME, 2009; GEPE/ME, 2010; DGEEC, 2012, p. 56). Assim, a última década apresenta desenvolvimentos paradoxais, com a redução da taxa de reprovação e desistência no ensino secundário para menos de metade entre 2000/2001 (39,4%) e 2008/2009 (19,1%), subindo novamente até 20,8% em 2010/2011. Porque ocorre tal deterioração da progressão no currículo e/ou da qualidade das aprendizagens? Por um lado, a organização e o desenvolvimento curriculares dos Cursos Profissionais estão estruturados em módulos o que, meramente do ponto de vista dos resultados escolares, favorece a gestão dos fluxos de estudantes, pois ao longo do ano letivo professores e alunos podem negociar a ‘recuperação’ de módulos, de modo a alcançar uma classificação positiva relativamente a aprendizagens com anterior avaliação negativa. Por outro lado, os Cursos Profissionais foram-se capacitando institucional e pedagogicamente, ao longo dos seus mais de vinte anos de existência, para a construção do sucesso e da progressão escolar dos seus alunos; no entanto, observa-se também que, após um primeiro momento de elevação das taxas de conclusão, à medida que se amplia a população abrangida (em volume e em proporção)4, a fabricação do insucesso também se intensifica, atingindo os Cursos Profissionais um grau de seletividade quantitativamente bastante próximo daquele que observamos na fileira académica (os Cursos Científico-Humanísticos) do ensino secundário. 2. De onde vimos? Um modelo de cerceamento de educação secundária às classes populares A atual estrutura de educação geral e profissional de nível secundário para jovens deriva daquela que há cerca de vinte e cinco anos foi criada no âmbito da Lei de Bases do Sistema Educativo (1986) que instituiu a escolaridade obrigatória de 9 anos e da Reforma do Sistema de Ensino, que incluiu a reforma curricular do ensino secundário (Afonso, 1998; Antunes, 2004; Azevedo, 2000). Essa estrutura foi criada na expetativa do previsível aumento de procura de educação secundária e do consequente aumento de efetivos, como vinha a acontecer desde abril de 1974, em resultado sobretudo do prolongamento da escolarização por parte das classes populares. Foi assim estabelecido um modelo que, para além da via dita de “prolongamento de estudos”, os Cursos Gerais, estabelecia um segmento de educação profissional inicial de nível secundário com três fileiras, de diferente natureza institucional: os Cursos Tecnológicos, uma modalidade escolar integrada no sistema de ensino regular; os Cursos Profissionais, também de natureza escolar no âmbito do subsistema de escolas profissionais e os Cursos de Aprendizagem, uma modalidade não escolar, desenvolvida pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional. As quatro modalidades partilhavam uma matriz curricular comum que fundamentava a equivalência à conclusão do ensino secundário e a dupla certificação, no caso das vias profissionais. Esta estrutura duplamente dual5corresponde, como veremos, a uma opção política de fundo, não isenta de contradições, para a educação profissional e o ensino secundário na sociedade portuguesa: este mantém a sua vocação primordial como nível preparatório para o ensino superior e voltado para a formação de elites; aquela constitui-se principalmente como escola terminal de âmbito condicionado para as classes populares. Enquanto a dupla certificação, escolar e profissional, e a equivalência dos diplomas integra as aspirações de valorização da educação profissional em favor da democratização cultural e social, a dupla dualização institucional e curricular estabelece os limites da resposta a essas aspirações: a valorização e paridade de estima da educação profissional são sobretudo formais e o ensino secundário regular mantém a sua vocação de patamar preparatório da formação de elites. A constituição de quatro vias de nível secundário, de permeabilidade efetivamente muito dificultada, quando permitida, mesmo entre as três modalidades de educação profissional, traduz a opção por uma estrutura institucional estratificada e dirigida a segmentos de públicos com propriedades, percursos e destinos sociais e académicos distintos. Durante mais de uma década milhares de jovens que procuraram o ensino secundário confrontaram a reprovação ou a exclusão massivas. Este facto verificou-se, em particular para aqueles que, não fazendo parte dos excecionais “meninos de ouro” com desempenhos académicos bem acima da média ou dos “aspirantes esforçados e meritórios”, com sucesso académico mediano, se viram “apanhados” pela tenaz da fórmula política inventada para manter bem estreito o funil do acesso quer ao diploma do ensino secundário, quer ao ensino superior. A esta distância, a generalização do ensino secundário prometida pela dupla certificação escolar e profissional e pela matriz curricular comum mostra-se bem mais cerceada do que parecia, mesmo se assumindo a forma de uma escola de geometria variável, consistente com a dupla dualização institucional, reconhecidamente mais apostada na relativa democratização social dos diplomas sem democratização cultural. Todas as orientações expostas foram afinal condicionadas durante mais de uma década por limites muito estritos e efetivos decorrentes da opção de conjugar as políticas de acesso, de avaliação e de gestão da oferta das diversas modalidades de educação profissional (e geral) de nível secundário. E foi essa escolha política articulada que gerou o malogro massivo das aspirações das classes populares à educação secundária e o sucesso dos interesses apostados em manter a raridade relativa e muito apreciável do diploma de educação secundária a par da sua distribuição controlada e lenta através da educação profissional. A fórmula encontrada pelo poder político português em 1989 foi simples: no sistema de ensino regular, onde havia vagas, havia exames; no sistema de escolas profissionais e no sistema de aprendizagem, onde não havia exames, havia acesso condicionado. Desde aí e até 2005, muitos dos jovens das classes populares que procuraram educação profissional secundária (e geral), confrontaram-se com a exclusão, pela via da limitação de vagas nos sistemas de educação profissional não regular, ou com a retenção repetida seguida da desistência, como poderoso efeito conhecido e comprovado do exame nacional exigido para concluir o ensino secundário no sistema regular. Temos assim uma história recente de mais de uma década de negação de uma resposta educativa bem-sucedida a sucessivos contingentes de jovens das classes populares em busca de educação secundária. 3. Uma via sinuosa O ensino secundário é em Portugal desde o início dos anos 80 um setor chave nas lutas concorrenciais (Bourdieu, 1979) em torno de posições sociais desejáveis. A história destas décadas é a das vicissitudes das respostas ao mandato deste patamar de escolarização: formar elites e educar um povo (Stoer, 1986; 2008). Fazer do ensino secundário um ensino preparatório de elites e terminal de massas é a via sinuosa, contraditória e dilemática que deixou marcas no figurino institucional deste ciclo ao longo destes 30 anos. Por ele têm passado quer as aspirações das classes populares à educação e à mobilidade social através da escola, quer as estratégias de fechamento social das classes médias, quer ainda a manutenção de prerrogativas dos herdeiros de elites sociais. No ensino secundário se confrontam e obtêm respostas o projeto societal explícito de democratização social e cultural e o projeto societal implícito de legitimação da reprodução e da hierarquia sociais baseadas nos diplomas (Coimbra, 2007). O ensino secundário define-se ainda como uma qualificação-charneira de acesso quer a funções de enquadramento, quer a funções de subordinação ou indiferenciadas na hierarquia das ocupações. Esse nível de educação converteu-se também, ao longo dos últimos 30 anos, na placa giratória de transição dos jovens para a vida ativa onde foram criados os principais dispositivos de transição, mobilização e socialização profissionais. Nesse quadro, a educação profissional tornou-se, por sua vez, no eixo deste papel estrutural do ensino secundário na regulação social em Portugal: integra públicos em colisão com o ensino secundário; qualifica para funções de enquadramento e indiferenciadas e para setores tradicionais e inovadores da economia; socializa para o trabalho e cria identidades profissionais; organiza a transição profissional e a gestão da mão de obra, em contexto de desemprego e de desvalorização do trabalho (Antunes, 2000). Assim e apesar das profundas mudanças sociais em Portugal, na Europa e no mundo nestes mais de 30 anos, a educação profissional permanece no olho do furacão das respostas educativas do poder político e das sociedades à procura de educação secundária. 4. Ter a fama e o proveito: estar na escola e aprender na escola A história destes 30 anos é também a da opção política das elites portuguesas por uma estrutura do ensino secundário comprometida quer com uma vocação de ensino preparatório de elites, quer com uma evolução cerceada para um patamar terminal de educação de massas. Enquanto isso e até 2005, a escola de massas em Portugal permaneceu firmemente ancorada no nível básico de educação, quer do ponto de vista das representações dos atores sociais em geral, incluindo os professores (Antunes, 2009), quer do ponto de vista das políticas públicas. É assim que o sistema educativo português apresenta, em termos de cobertura da população, em meados da década passada (2005/2006), uma estrutura elucidativa e singular no panorama europeu: - uma taxa real de escolarização6no ensino básico que vai dos 100% no 1.º ciclo a uma descida consistente no 2.º ciclo (durante 7 anos consecutivos, de 1999 a 2005) e no 3.º ciclo para, respetivamente, cerca de 85% e 84%7; - uma taxa de escolarização real no ensino secundário estagnada desde 1996 um pouco abaixo dos 60%8; - uma taxa de escolarização entre os 15-17 anos que vai dos 91,2% aos 15 anos a cerca de 73,1% aos 17 anos9; - uma taxa real de escolarização no ensino superior que vai dos 19,85% aos 18 anos a 31,76% aos 21 anos (CNE, s/d, p. 73). O que estes dados nos dizem, entre outras ilações possíveis, é que a estagnação do ensino secundário durante cerca de uma década se deve sobretudo ao insucesso e à reprovação mais do que ao abandono10. Isto é, os jovens frequentam a escola até aos 17 anos em muito maior número do que aqueles que concluem o ensino secundário: há procura social de educação secundária, mas não há respostas educativas, em particular para os recém-chegados, isto é, a primeira geração das classes populares a frequentar o ensino secundário. A sociedade portuguesa conviveu tranquilamente até 2005 com as taxas escandalosas de reprovação, de saída antecipada e de conclusão, em particular nos Cursos Tecnológicos, a fileira de educação profissional no ensino secundário regular11. E aceitou o modelo que continuamente as gerava durante mais de uma década. Essa estrutura de ensino secundário só viu alterados os seus fatores fundamentais de estagnação, em 2005, sob a pressão de políticas europeias de formação do capital humano, para alimentar a competitividade na economia do conhecimento e a coesão social face às fraturas e riscos vitais, económicos e sociais. Que medidas foram tomadas quando se tornaram inaceitáveis, à luz das prioridades e face à monitorização estreita pelas autoridades europeias, as taxas de insucesso e de saída antecipada do ensino secundário, em particular dos Cursos Tecnológicos? Por um lado, o exame nacional deixou de ser exigido para a conclusão do ensino secundário, também na fileira de educação profissional do ensino regular; por outro lado, os Cursos Profissionais (até aí oferecidos com limitação de vagas apenas no subsistema de Escolas Profissionais, quase sempre privadas) passaram a ser oferecidos também nas escolas públicas, sem limitação de vagas. Nos anos subsequentes alterou-se muito significativamente o panorama do insucesso e da saída antecipada na educação profissional regular, e no ensino secundário no seu conjunto, de tal modo que, em 2010/2011, a taxa de transição/conclusão nas fileiras de educação profissional era de 81,6%, sendo que no conjunto do ensino secundário se cifrava nos 79,2%12 (INE, 2012, p. 95) e a taxa de retenção/desistência no ensino secundário havia passado de 30,6% em 2004/05 para 20,5% em 2010/2011 (DGEEC/DSEE, 2012, p. 24)13. 5. Um balanço em breves notas O balanço do que, 39 anos depois do adeus em 1974, oferece aos jovens a educação secundária é, assim, mitigado se contrastado com o horizonte das promessas de democratização e bastante mais positivo, se for considerado o longo caminho percorrido, os vários marcos alcançados e o muito que temos a perder. Como tem vindo a ser documentado, fizemos nestes 39 anos um extenso caminho de universalização do acesso, mais do que do sucesso, na educação básica e, de forma ainda mais notória, no ensino secundário. Nesse sentido, a democratização quantitativa apresenta hoje feitos mais visíveis do que a democratização qualitativa (Merle, 2002), já que esta implica, para além da generalização da distribuição da educação a toda a população, a atenuação de desigualdades sociais e a diluição das segmentações sociais entre vias de estudos. Em todo o caso, passos muito significativos foram dados que representam oportunidades institucionais de formação e oportunidades de vida que a educação secundária oferece aos jovens. Destacam-se apenas dois aspetos que remetem para muito do que temos a perder, neste campo: - a oportunidade - limitada, mas efetivamente experimentada e agora ameaçada -, de jovens, professores e escolas apropriarem e construírem a educação profissional como uma outra educação (Sá & Antunes, 2012); desse modo, em certas condições, é constituída como um desvio institucional de remobilização para a aprendizagem (Charlot, 1999), promoção escolar e acesso ao ensino superior, mesmo se apenas para alguns (já significativos) segmentos de públicos com melhor desempenho académico; pode argumentar-se que o projeto anunciado de fortalecer o caráter terminal da educação profissional de nível secundário, de tornar potencialmente intransponíveis as pontes com outras vias, de impedir o seu reconhecimento académico, ameaça cavar mais fundo o fosso em torno de jovens a quem será atribuído um certificado que oficialmente os desqualifica e posiciona como excluídos do interior (Bourdieu & Champagne, 1998); - o ensino secundário como parte das respostas educativas, que contribuem para uma política desenvolvida através do sistema público, à procura de educação pela população portuguesa: as recentes intervenções voltadas para a redução brutal de recursos devastam a capacidade de proporcionar uma educação pública de confiança e provocam a turbulência dos quotidianos e das expetativas com gravosas implicações para todos os envolvidos (alunos, famílias, professores, diretores)14. Notas 1 A via sinuosa é uma expressão pedida emprestada, com a devida vénia, a um título de Aquilino Ribeiro (1985). Formar uma elite ou educar um povo? é a questão colocada por Steve Stoer no título de um texto publicado no Jornal da Educação em 1986. O autor problematiza e discute as opções de política educativa de fomento do ensino profissional, à época como hoje e sempre mobilizando retoricamente o argumento das necessidades de qualificações por parte da economia (cf. Stoer, 1986, 2008). 2 No momento em que escrevo, há escolas que não sabem com que turmas, alunos, professores, auxiliares de educação e outros funcionários vão trabalhar a partir de setembro. Neste momento, há crianças e jovens que desconhecem onde estudarão dentro de três semanas. No momento em que escrevo, o governo prepara medidas para cortar mais de quatro mil milhões de Euros no orçamento público, os jornais titulam que a “Alemanha lucrou 41 mil milhões de euros com a crise da dívida na Europa” (Público, 20/08/13, p. 18) e noticiam que, na Grécia, morreu um rapaz de 19 anos por não pagar o bilhete de autocarro de 1,20 euros (Público, 19/08/13, p. 18). Não saberei, no entanto, escrever sobre as políticas educativas que fazem a realidade do momento em que escrevo, porque o trabalho das ciências sociais passa por criar distâncias, também no tempo, para compreender o tempo que vivemos. 3 Em todos os cálculos que se seguem, não consideramos o ensino artístico especializado, dadas as singularidades de que se reveste e o pequeno volume de estudantes envolvidos (entre os cerca de 2.000 e 2.400 - não mais de 0,7% - no período considerado). 4 Os dados disponíveis permitem verificar que a população do ensino secundário sofre uma queda entre 2000 e 2005, em resultado da diminuição da taxa de escolarização (ver a discussão do ponto seguinte), mas também da redução demográfica que, a partir de 2005/2006, é no entanto sempre compensada pela elevação da taxa de escolarização. Assim se explica que, na década entre 2000/2001 e 2010/2011, tendo aumentado 10 pp. a taxa de escolarização no ensino secundário, o volume de inscritos tenha diminuído. De notar que, pelo contrário, nesse mesmo período, o número de matriculados na educação profissional aumentou cerca de 20% (cf., por exemplo, CNE, 2012: 111, 115); DGEEC, 2012: 49). 5 Duplamente dual porque estamos perante: (i) uma separação de natureza curricular, entre as dimensões académica e profissional da educação; (ii) uma cisão institucional porque exterioriza duas das fileiras de educação profissional face ao sistema de ensino regular. Esta dupla dualização instala e duplica clivagens sociais, já que aquelas separações envolvem segmentos populacionais e de públicos escolares com distintas origens, percursos escolares e destinos sociais. 6 A taxa real de escolarização é a “relação percentual entre o número de alunos matriculados num determinado ciclo de estudos, em idade normal de frequência desse ciclo, e a população residente dos mesmos níveis etários”. Ciclo de estudos/Idade normal (anos): Educação Pré-Escolar, 3 - 5 anos; Ensino Básico - 1.º Ciclo, 6 - 9 anos; Ensino Básico - 2.º Ciclo, 10 - 11 anos; Ensino Básico - 3.º Ciclo, 12 - 14 anos; Ensino Secundário, 15 - 17 anos (cf. DGEEC, 2012, p. 122). 7 As taxas de escolarização nos 2.º e 3.º ciclos aumentam consistentemente até 1996/1997 (89,1%) e 2000/01 (86,8%), respetivamente, após o que a tendência de diminuição da cobertura perdura até 2006/07 (GEP/INE, 2009, p. 65 e ss.). Em 2010/2011, observaram-se os seguintes valores: 95,4% (2.º ciclo) e 92,1% (3.º ciclo). 8 Também no ensino secundário, há uma subida constante dos valores de cobertura da população até 1996/1997. Entre 1996/1997 e 2005/2006, a taxa de escolarização no ensino secundário desceu 5,2% (de 59,4% para 54,2%); nestes 9 anos, aquele indicador atingiu valores superiores ao primeiro em 3 anos (máximo de 62,5% em 2000/2001), tendo ficado abaixo nos restantes 6 anos (GEP/INE, 2009, p. 65 e ss.). Em 2010/2011, verificou-se o valor de 72,5% (cf. CNE, 2013, p. 109). 9 Conferir GEP/INE (2009, p. 65 e ss.) 10 Os dados documentam que a saída da escola se dá, já nessa altura, para a quase totalidade dos jovens, após a idade correspondente ao início da frequência do ensino secundário, aos 15 anos. Sem as pesadas taxas de reprovação que se verificam entre nós, uma apreciável maioria de jovens (73,1%), que cumpria já os 12 anos de escolaridade em meados da década passada, poderia concluir o ensino secundário. 11 As taxas de transição/conclusão no ensino secundário estavam em 78,7% em 1994/1995; após a introdução do exame nacional no 12.º ano, em 1995/1996, aquele valor caiu mais de 11 pp. para 66,9%, continuando a baixar nos cinco anos seguintes até 60,6% em 2000/2001, subindo novamente para 67,9% em 2004/2005. De notar que, neste período temporal, como foi já assinalado, a taxa de escolarização baixava também cerca de 5%. As taxas de retenção/desistência mantiveram-se acima dos 30% ao longo de toda a década, até 2005/2006,para o ensino secundário (Cursos Gerais e Cursos Tecnológicos), sendo que, para a fileira de educação profissional do ensino regular (Cursos Tecnológicos), ficou sempre acima dos 40% nos 10 anos entre 1995 e 2005 (cf. GEP/INE, 2009, p. 65 e ss.). 12 Este valor aproxima-se, no final de mais de quinze anos, daquela que era a taxa de transição/conclusão no ensino secundário em 1994/1995, antes da obrigatoriedade da submissão ao exame nacional no 12.º ano. De notar, no entanto, que, em 2010/2011, o ensino secundário havia alargado a sua cobertura da população jovem de 51,5% (em 1994/1995) para 72,5% (cf. GEP/INE, 2009, p. 65 e ss.). 13 Este valor é relativo ao Continente, não incluindo, portanto, as Regiões Autónomas de Madeira e Açores. No entanto, atendendo ao valor da taxa de transição/conclusão, pode inferir-se que, para Portugal, a taxa de retenção/desistência deveria atingir os 20,8% (cf. documentos referenciados). 14 Neste momento (agosto de 2013), em muitas escolas não se sabe quantas turmas profissionais irão funcionar dentro de menos de um mês, que entidades acolherão os alunos e quem serão os seus professores. Bibliografia Afonso, A. (1998). Políticas educativas e avaliação educacional. Para uma análise sociológica da reforma educativa em Portugal (1985-1995). Braga: Universidade do Minho. Antunes, F. (2000). Novas diferenciações e formas de governação em educação: o processo de criação de escolas profissionais em Portugal. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, 16(1), 31-45. Antunes, F. (2004). Políticas educativas nacionais e globalização. Novas instituições e processos educativos: o subsistema de escolas profissionais em Portugal (1987-1998). Braga: Universidade do Minho. Antunes, F. 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Educação, Sociedade & Culturas, 26, 107-110. i Endereço de correio eletrónico: fantunes@ie.uminho.pt Paulo Freire e a educação permanente: O ser humano jamais para de educar-se Licínio Limai - Instituto de Educação da Universidade do Minho e Centro de Investigação em Educação Um pouco por todo o mundo, ocorreram em 2011 as comemorações do nonagésimo aniversário de Paulo Freire (1921-1997), brasileiro nascido em Recife e cidadão do mundo, considerado por vários autores o maior vulto da pedagogia da segunda metade do século XX. A melhor forma de o homenagear é através da leitura crítica das suas obras, não apenas dos seus livros clássicos e mais conhecidos, como “Pedagogia do Oprimido” (Freire, 1975a), “Educação como Prática da Liberdade” (Freire, 1967), “Extensão ou Comunicação?” (Freire, 1975b), mas também através do estudo dos livros que escreveu nas décadas de 1980 e 1990, até à sua morte em 1997. Alguns dos livros escritos depois do regresso de Freire ao Brasil, após o exílio, como “A Educação na Cidade” (Freire, 1991), “Pedagogia da Esperança” (Freire, 1992), ou o muito celebrado “Pedagogia da Autonomia” (Freire, 1996), são trabalhos incontornáveis para conhecer a globalidade do pensamento de Freire e os novos temas educacionais que incorporou na sua obra e pensamento político-educativo. Infelizmente, quase uma dezena dos seus livros mais recentes é ainda menos conhecida internacionalmente por parte de académicos, educadores e movimentos sociais, contribuindo para algumas tendências no sentido de remeter o autor apenas para o contexto político, cultural e educativo dos anos 60 e 70 do século XX. Nesse contexto cronológico, ele pode ser considerado, realmente, um autor clássico, mas isso não justifica o nosso desconhecimento daquilo que já foi considerado como o “renascimento pedagógico” de Freire, isto é, a sua obra educativa como administrador público da cidade de São Paulo, entre 1989 e 1991, como professor universitário e como autor que abordou novos temas, através de uma perspetiva simultaneamente original dos problemas do presente, mas sempre teoricamente ancorada nos seus trabalhos anteriores e nalguns dos conceitos mais criativos que nos deixou. 1. Educação Permanente Vale a pena recordar a justificação que Freire atribuiu à importância e à necessidade de uma “educação permanente, ou “educação ao longo de toda a vida”, ideal pedagógico humanista que compreende todas as experiências educativas no transcurso da vida de cada um de nós, afinal motivada pelo simples facto de os seres humanos jamais pararem de se educar. No seu livro “Política e Educação”, escreveu Freire (1997, p. 20): A educação é permanente não porque certa linha ideológica ou certa posição política ou certo interesse económico o exijam. A educação é permanente na razão, de um lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de sua finitude. Como explica o autor, os seres humanos são não apenas seres inacabados, mas são também os únicos seres que têm consciência do seu próprio inacabamento. Os seres humanos nascem “programados para aprender”, condicionados biologicamente e socialmente, mas não determinados. Em processo permanente de educação e aprendizagem, muito para além dos limites institucionais da educação escolar, os seres humanos apresentam uma “vocação ontológica” para “ser mais”, e são dotados de uma “curiosidade epistemológica” para saber mais, para questionar o mundo e indagar acerca da sociedade em que vivem e da cultura que constroem. Para Paulo Freire, mais do que a aquisição de competências sociais, de qualificações para o trabalho e de habilidades economicamente valorizáveis, a “educação permanente” representa um contributo indispensável à humanização dos seres humanos, através da interpretação crítica do mundo e da participação ativa e responsável no processo da sua transformação. A adaptação ao mundo não pode ser, de acordo com Freire, o objetivo central da educação e da aprendizagem. Mesmo quando um certo grau de adaptação ao mundo, ajustamento ou “imersão”, se revela necessário, a vocação maior da “educação permanente” orienta-se no sentido de possibilitar a transformação dos seres humanos em participantes livres e ativos, críticos e responsáveis, agindo individual e coletivamente no processo de “refazer o mundo”. Também por esta razão as lutas sociais por mais democracia, autonomia e poder de decisão representam, para Freire, verdadeiros processos educativos, capazes de ensinarem a democracia através de práticas democráticas e do exercício da participação e da autonomia. 2. A visão tecnicista do ajustamento O mundo do trabalho é uma realidade incontornável em qualquer projeto de educação permanente, mas isso não legitima a sobredeterminação da economia sobre a educação, condenando esta ao estatuto de variável do crescimento económico, reduzindo-a à categoria de instrumento de empregabilidade, sob uma “política de resultados”. É, porém, esta a perspetiva que se vem revelando dominante, incorporando a educação permanente, e designadamente a educação superior, a educação de pessoas adultas e a formação profissional contínua de jovens e adultos, escolar e não escolar, sob a designação genérica de “formação de recursos humanos”, com vista à promoção do crescimento económico. Aqui residirá, segundo este racional, a chave para uma correta administração da crise, por forma a alcançar o crescimento, a competitividade e o emprego, assim reduzidos a problemas essencialmente educativos e pedagógicos que novos instrumentos de formação e treinamento, considerados relevantes do ponto de vista económico e empresarial, haverão de resolver. O programa de ajustamento da educação permanente, agora em boa parte reduzida a programas de formação profissional contínua e a estratégias individuais de aprendizagem, consagra, como nunca antes na história, a hegemonia da visão tecnicista sobre a educação, para a qual chamou à atenção Freire (2000, p.79), afirmando: “A visão tecnicista da educação, que a reduz a técnica pura, mais ainda, neutra, trabalha no sentido do treinamento instrumental do educando, considera que já não há antagonismo nos interesses, que está tudo mais ou menos igual, para ela o que importa mesmo é o treinamento puramente técnico, a padronização de conteúdos, a transmissão de uma bem-comportada sabedoria de resultados.” Sob abordagens típicas do “capital humano” e sob a linguagem dos clientes e consumidores de serviços e produtos educacionais, alguns dos quais hoje transacionados à escala global, até mesmo os adultos em contexto de formação tendem a ser representados como uma espécie de matéria-prima, como objetos passíveis de modelagem e acomodação. Eles são vistos como “pacientes”, de acordo com a crítica de Paulo Feire, como objetos de “tratamento” e de “terapia”: “Se, na experiência de minha formação, que deve ser permanente, começo por aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem me considero o objeto, que ele é o sujeito que me forma e eu, o objeto por ele formado, me considero como um paciente que recebe os conhecimentos-conteúdos-acumulados pelo sujeito que sabe e que são a mim transferidos” (Freire, 1996, p. 25). Conforme tenho chamado à atenção (mais recentemente em Lima, 2012), os pouco escolarizados, os desempregados de longa duração e os trabalhadores considerados pouco qualificados são vistos como indivíduos incapazes, evidenciando défices e lacunas que exigirão a sua superação, colmatando necessidades de formação através da aquisição de instrumentos, ou “próteses” formativas, que funcionalmente os habilitarão a integrar a nova “economia do conhecimento”. Parte-se, desta forma, e ao contrário do que há muito aprendemos no campo da educação de adultos, da educação popular e comunitária, das negatividades e do que se considera como deficiências e limitações dos “destinatários”, ou “grupos-alvo”, para a tentativa da sua superação, em vez de partir da cultura, da experiência vivida e da “leitura do mundo” dos participantes, em direção à sua revitalização e problematização críticas. Insiste-se em lógicas vocacionalistas e de modernização, de tipo exógeno e hierárquico, por vezes no quadro da prestação de serviços de formação e da comercialização de experiências de aprendizagem, outras vezes ainda no contexto de programas públicos de feição assistencialista e finalista, em ambos os casos correndo sérios riscos de vir a recuperar o “extensionismo” e as suas dimensões antidialógicas, de “domesticação” e de “normalização”, que foram analisados por Freire (1975b). As lógicas referidas são próprias das abordagens tecnocráticas da aprendizagem para o trabalho, desprezando o facto de nem todas as formas de educação técnica e vocacional poderem ser consideradas decentes e justas, de qualidade democrática e social para todos, incorporando necessariamente processos de participação na decisão e na discussão dos valores, objetivos, conteúdos e processos, formas de organização e avaliação da formação profissional e não aceitando a sua insularidade face a um projeto de educação integral e de formação geral, ou de base. 3. A vocação crítica da transformação Em tempos de crise, a educação permanente não apenas representa um recurso para a interpretação crítica das suas causas, e para a compreensão profunda da natureza da crise, mas terá mesmo a responsabilidade de participar ativamente na busca de processos de transformação da economia e da sociedade, em função da sua vocação de humanização, nesse sentido educando a crise, ou seja, problematizando-a e afrontando-a em termos políticos e culturais, de valores e interesses, de relações de poder e de outros recursos distribuídos assimetricamente, rompendo com o círculo vicioso das explicações ideológicas e das soluções convencionais que, com frequência, representam mais instrumentos de gestão e aprofundamento da crise, do que propriamente da sua superação. E é exatamente nesse processo de legitimação da crise e das condições estruturais da sua emergência, que é crucial evitar a institucionalização de processos de educação e formação com objetivos apenas paliativos, de mera gestão da crise, os quais buscam somente amortecer os efeitos mais negativos e mais dramáticos da precariedade e das elevadas taxas de desemprego estrutural. Como se pode concluir, a educação permanente ocorre no processo de compreensão crítica da crise, do seu “desvelamento”, e também pela aquisição dos instrumentos de intervenção para a afrontar, tanto quanto ao longo do processo que a combate e das respetivas experiências de luta. Tais dimensões socioeducativas relevam de ações sociais em que se forja a passagem da “consciência ingénua” para a “consciência crítica” (Freire, 1967), associando as capacidades de um pensamento autónomo e de uma interpretação crítica que transcendem as visões mágicas e as explicações ideológicas da realidade, a processos dialógicos, reflexivos, e a ações engajadas de transformação social. A transição do fatalismo e do conformismo, paralisantes e desesperançados, para a mobilização cidadã e para a participação democrática, entendidas como “ingerência” e prática da decisão, representam o âmago da “educação problematizadora”, como prática da liberdade, e da pedagogia da autonomia que são propostas por Freire. A vocação crítica, libertadora e humanizadora da educação permanente implicaria uma práxis de transformação da realidade que oprime, a qual não é transformada por acaso, nem sem necessidade de lutas democráticas contra os condicionamentos que impõe: “transformar a realidade opressora é tarefa histórica” (Freire, 1975a, p. 52). Bibliografia Freire, P. (1967). Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Freire, P. (1975a). Pedagogia do oprimido. Porto: Afrontamento. Freire, P. (1975b). Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra (1.ª ed. de 1969). Freire, P. (1991). A Educação na cidade. São Paulo: Cortez Editora. Freire, P. (1992). Pedagogia da esperança. Um reencontro com a pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra. Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra. Freire, P. (1997). Política e educação. São Paulo: Cortez (3ª ed.). Freire, P. (2000). Àsombra desta mangueira. São Paulo: Olho d’Água (3ª ed.). Lima, L. (2012). Aprender para ganhar, conhecer para competir: Sobre a subordinação da educação na “sociedade da aprendizagem”. São Paulo: Cortez. i Endereço de correio eletrónico: llima@ie.uminho.pt Do nascimento à morte da Escola Pedro Urbanoi - Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra 1. Da “Revolução ?” ou do nascimento da Escola 1.1. Iniciou-se há aproximadamente 12.000 anos uma revolução ecuménica no desenvolvimento tecnológico da humanidade, que acabou ficando conhecida como a «Revolução Neolítica» - apesar de se tratar de uma designação imperfeita e discutível, em vários aspetos. 1.2. Em termos muito simplistas, essa revolução (que será designada neste artigo como “Revolução ?”) originou, entre vários outros fenómenos, uma explosão de conhecimentos, dos quais aliás ela própria resultou (em parte) e dos quais ela própria dependeu para se implementar; explosão suficientemente significativa para tornar insuficientes (pela primeira vez na história da humanidade) a memória e a transmissão oral como formas de preservar e, por assim dizer, manusear tais conhecimentos, tal como se fazia até aí, desde sempre. 1.3. Embora possam ser encaradas de diferentes formas, a Escrita e a Escola (esta originalmente concebida para ensinar aquela) foram basicamente dois instrumentos criados há cerca de 5.000 anos para assegurar, em diferentes graus, essa função, o que não deixaram de o fazer nos cinquenta séculos seguintes. 1.4. Muito haveria para dizer sobre a evolução da Escola nestes cinquenta séculos, mas dir-se-á apenas que não esteve parada - embora a velocidade a que se modificou se tenha acelerado sobretudo a partir do século XX. Teve, pelo contrário, que se adaptar inúmeras vezes (regra geral, diferenciando--se sucessivas vezes), em especial ao crescimento, a partir de certa altura exponencial, desse corpo de conhecimentos. Teve, para isso, que recorrer à ajuda de outros instrumentos, dos quais o livro impresso é o exemplo paradigmático. Teve mesmo que aceitar outras funções - em particular, a de se encarregar de grande parte da socialização dos seus alunos - que não estavam consagradas no seu, por assim dizer, plano original. 1.5. Todavia, mudança não significa progresso. Pelo contrário, tal como a personagem da Rainha Vermelha do romance de Lewis Carroll, a Escola descobriu, sobretudo a partir da segunda metade do século XX - ou seja, paradoxalmente no apogeu do seu crescimento - que é necessário correr muito para, apenas, permanecer no mesmo local. Dito de outra forma, a Escola descobriu que tal como sucede com qualquer outro sistema vivo, natural ou artificial, a adaptação permanente não é uma escolha; é uma necessidade imperiosa; é a única forma de conseguir manter o seu próprio nicho no ecossistema. 1.6. Descobrindo na mesma ocasião várias outras vicissitudes, conhecidas há milhões de anos por todas as espécies naturais, ainda vivas ou entretanto extintas. Sejam as alterações físicas súbitas ou de grande amplitude (ou ambas) no ecossistema, que obrigam a adaptações de rapidez ou de amplitude correlativas nas suas caraterísticas e comportamentos. Seja, em sentido literal ou figurado, a ação dos predadores, ou dos parasitas (em ambos os casos, igualmente capazes de se adaptarem). Seja a própria competição pelo mesmo nicho (cognitivo, no caso da Escola) e a «corrida ao armamento» que amiúde se estabelece entre os contendedores. 1.7. Descobrindo, no fundo, uma espécie de corolário das leis da evolução: que a sua longa (à escala do sujeito humano, ínfima noutras escalas) e algo tranquila existência de cinco mil anos - prova por omissão de que foi bem sucedida - não significa que não esteja, como qualquer outra entidade do mesmo género, ameaçada de extinção a qualquer momento; nem torna a priori a sua sobrevivência mais fácil (ou, enfatize-se, pelo contrário mais difícil). A sobrevivência, tornou-se costume dizer, é uma adição nula; o máximo que se consegue é apenas isso mesmo: sobreviver; correr para permanecer no mesmo lugar. 2. Da «Revolução ?» ou da morte de um paradigma de Escola 2.1. Vive-se atualmente uma segunda grande revolução no desenvolvimento tecnológico da humanidade, igualmente ecuménica e de magnitude igual ou semelhante à atrás referida - Revolução ?. 2.2. Em termos muito simplistas, essa revolução (que será aqui designada como «Revolução ß»), cuja pedra de toque terá sido a chamada Revolução Industrial, faz parte de um fenómeno atual e em curso, ou, consoante as perspetivas, incipiente ou emergente, cujos contornos se começam apenas a adivinhar e que dará possivelmente origem a um novo estado civilizacional. 2.3. De igual modo em termos simplistas, esta Revolução ? trouxe, está trazendo e trará um conjunto de transformações globais que afetam de várias formas, diretas ou não (mas não especificamente), a Escola e das quais uma pelo menos diz respeito ao conhecimento, como atrás se apontou, em especial ao seu papel e ao seu lugar, cada vez mais preponderantes, no evolutivo humano. 2.4. É no contexto dessa transformação maior que melhor se compreende o surgimento e o rapidíssimo desenvolvimento de uma peça fundamental, uma espécie de emblema até, de toda esta revolução: o computador e as tecnologias a ele associadas, que a Escola irá sentir, no final do século XX, como uma ameaça à sua sobrevivência ou, pelo menos, ao seu status quo; ou pelo contrário, paradoxalmente, como uma solução miraculosa para os seus problemas. 2.5. Nem ameaça, nem solução miraculosa. Quer uma quer outra são equívocos, dois entre muitos, entre muitas vozes num coro de incompreensões, de mitos e fantasias, ou até de obtusidades, acerca dessa máquina muito peculiar, cujo aparecimento (em termos modernos), em circunstâncias obscuras, deixou no senso comum uma impressão duradoura de suspeição quanto aos fins alcançáveis por seu intermédio; ou quanto aos seus poderes, reiteradamente fantasiados ou hiperbolizados. Uma máquina, fosse como fosse, cujo funcionamento era logo à partida intrinsecamente difícil de apreender para a maioria e que se veio a tornar de todo ininteligível assim que se iniciou o processo de ultraminiaturização dos seus componentes; uma máquina inquietante até, sobretudo a partir do momento em que entrou num espetacular processo de crescimento por autocatálise, evoluindo a uma cadência rara, dando origem a outras formas de vida artificial (de complexidade crescente, como a internet, ou não), desencadeando ou catalisando outros fenómenos, etc. 2.6. No entanto, o computador, que em rigor existe (numa espécie de limbo) pelo menos desde o século XVII, não é mais do que um instrumento, obviamente procedente, e não precedente, de uma função (ou necessidade), que se tornou premente no instante em que a Revolução ?, tal como sucedera milénios antes com a Revolução ?, deu origem a (e se originou a partir de) uma explosão de conhecimentos; de outra forma, não teria ultrapassado sequer, por tempo indeterminável, o âmbito muito restrito para o qual foi expressamente construído. Quer dizer: o manto de mistério, suspeita e deslumbramento que o envolve, desde o Colossus, esconde o facto mais elementar sobre a sua origem, também o mais despercebido: o computador surgiu do mesmo modo, pelas mesmas razões, que surgiu a Escrita há cinco mil de anos; ou seja, como uma forma de lidar com um superavit de informação e de conhecimento. 2.7. Dito de uma outra maneira: tal como a Revolução ? necessitou de inventar a Escrita, e dela dependeu para progredir, a Revolução ? inventou o computador e, simultaneamente, depende dele para se implementar. Em ambos os casos, numa espécie de processo de co-evolução ou de co-adaptação. Em ambos os casos, como instrumentos, como formas de identificar, capturar, codificar, articular, representar, armazenar, distribuir, transferir, transmitir (etc.) informação e, eventualmente, conhecimento, uma coisa não se reduzindo à outra. Todavia, a Escrita não foi a Revolução ?, da mesma forma que o computador não é a Revolução ?; do mesmo modo (ainda) que uma árvore não é a floresta. 2.8. O computador é, pelo menos para já, uma ferramenta intelectual, à disposição da Escola - tal como o livro - e de modo algum uma Quinta Coluna infiltrada numa cidadela sitiada e angustiada; não querendo isso dizer que se limite a ser mais uma máquina, antes pelo contrário, o computador pode ser programado para ser ou simular qualquer máquina; ou, muito mais do que isso, para simular virtualmente qualquer sistema, aberto ou fechado, biológico ou físico, linear ou não-linear, etc. 2.9. Aquilo que o computador ameaça de facto, e acabará por substituir, não é, nem nunca seria - a Escola, em si mesma, mas uma das partes mais arcaicas da sua missão original: a simples missão de preservação do conhecimento, essa espécie de instinto que a Escola adquiriu muito cedo na sua existência e o qual não mais abandonou, não obstante o absurdo cada vez maior de tal propósito. 2.10. A Escola pode ter razões para se sentir acossada, ameaçada e até atormentada. É todavia irónico que o faça em relação ao computador que, ao invés de a condenar, lhe dá a oportunidade (ou mesmo o poder) de se reinventar, podendo finalmente descartar uma excrescência sem sentido nos dias de hoje. E podendo então reequilibrar-se em torno de um novo centro de gravidade: a função (chame-se-lhe) gnosiológica, muito mais próxima daquilo que a Escola é. Função que começou a tornar-se crítica nas sociedades da abundância, devido ao superavit de informação - não necessariamente conhecimento - que, justamente, o computador possibilita e potencia. Função de tal modo crítica que terá que ser obrigatoriamente assegurada por alguma entidade; ou, mais provavelmente, por um conjunto de entidades formalmente instituídas, já existentes (como a Escola), ou criadas para o efeito; entidades que a Revolução ? trará ou está trazendo, do mesmo modo que a Revolução ? trouxe, além da Escrita, a Moeda, a Cidade ou o Estado. 3. Da reinvenção da Escola O conhecimento é uma de várias transformações globais que a Revolução ? trouxe, ou está trazendo; nem sequer se pode ter a certeza se virá a ser a maior delas. Neste momento, dir-se-ia sobretudo que não, uma vez que a Revolução ?, que também poderia ser chamada a «Revolução do Terceiro Estado», parece ser capaz de trazer algo de muito maior: emendar a imperfeição magna comum a todas as formas culturais e a todas as sociedades, passadas ou presentes, saídas do Neolítico; aquilo que Freud, por outras palavras, descreveu como a assimetria fundamental, e sistemática, entre uma minoria que detém os meios de poder (e de coerção) e a maioria que lhe resiste. E também nesse aspeto, a Escola, articulando-se ainda sobre a sua programação original de pendor claramente autocrático, está condenada a modificar--se radicalmente ou a desaparecer. Ou sobretudo a ser reinventada, em torno da sua função gnosiológica; deixando definitivamente de se ajoelhar perante o conhecimento (ou simples informação); deixando definitivamente de perpetuar modos de transmissão do saber fossilizados e formas de relação ritualizadas, hoje despidas de qualquer significado, criados há cinco mil anos nas escolas dos escribas da Antiga Mesopotâmia. i Endereço de correio eletrónico: pedro.urbano@fpce.uc.pt i Twitter: www.twitter.com/pedro_urbano i Academia: coimbra.academia.edu/PedroUrbano Estatuto do Aluno, Educação e Democracia: Uma perspetiva e algumas interrogações Carlos Alberto Gomesi - Departamento de Ciências Sociais da Educação do Instituto de Educação - Universidade do Minho Introdução e questões iniciais Para mim, enquanto cidadão, professor e sociólogo da educação, o Estatuto do Aluno é um documento muito importante para a sociedade portuguesa, para a educação como processo social e para a escola. É uma importante referência cívica, democrática, educacional e civilizacional. Regula a educação e o ensino na escola pública, um espaço social e institucional marcado por muitas diversidades sociais, étnicas, culturais, ideológicas e individuais, identificáveis nos alunos e alunas, mas também nos professores. O Estatuto também procura ser uma resposta política, e sobretudo educacional, a novas realidades sociais e culturais, com fortes reflexos na escola, de que são exemplo fortemente mediatizado a violência online (o chamado bullying) e a utilização abusiva de novas tecnologias (de que é exemplo a gravação, não autorizada, de imagens e sons, em contexto de sala de aula). Quererá o novo Estatuto do Aluno e da Ética Escolar (Assembleia da República, Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro) ajudar a construir um determinado tipo de escola? Se sim, qual? Se não, para que servirá então o Estatuto? Será que a escola tem alguma coisa a ver com a democracia? Será que faz sentido pensar e utilizar a escola como um meio para ajudar a formar cidadãos e cidadãs com cultura, valores, sensibilidade e ideais democráticos? Que significado atribuir a um documento com profundas implicações educativas e pedagógicas, sociais, culturais e políticas, que nos aparece sob a forma de lei, com muitos artigos e alíneas, mas sem um preâmbulo que revele os seus pressupostos teóricos e ideológicos? O que é que o Estatuto pretende dar ou trazer de novo ou diferente à escola e à sociedade portuguesa? Educação ou controlo social? De um ponto de vista ideológico, político, e programático, a escola pública portuguesa procura articular e dar uma importância pelo menos equivalente a duas das principais dimensões ou funções sociais da educação escolar: a instrução e a socialização. A escola está então estruturada para prestar, de forma articulada, um duplo serviço: ao indivíduo, procurando contribuir para sua realização pessoal e profissional, e à sociedade, procurando formar um cidadão e uma cidadã, com certas perspetivas, e atitudes sociais e culturais, apostando na formação cívica e democrática das jovens gerações. Procurando contribuir para a concretização destes objetivos estratégicos, o Estatuto (cf. artigos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º e 10.º) apoia-se na Constituição da República Portuguesa (CRP) (art. 74.º) e na Lei de Bases do Sistema Educativo (art.º 2.º). É bom chamar a atenção para este ponto, pois a “espetacular” abordagem mediática da escola e dos problemas da educação básica e secundária tende a criar na opinião pública a ideia (redutora) de que o Estatuto do Aluno está exclusivamente centrado ou focado nas questões disciplinares, criando a impressão de que estamos perante um mero dispositivo legal e regulamentar, um novo dispositivo ou mecanismo de controlo social criado para conter e combater, pela via judicial-punitiva as dinâmicas e condutas desviantes e/violentas na sala de aula ou fora dela. Como deixei claro nas palavras iniciais, para mim o Estatuto visa construir algo, e não tanto controlar algo, pois está estruturado numa lógica de: Construção de uma escola democrática e humanista… Vivemos em Portugal num Estado de Direito Democrático e numa democracia representativa, liberal, parlamentar, com todas as liberdades, direitos e garantias inerentes. A Lei de Bases da Educação assume a ideia de que a escola pode ou deve dar, na medida das suas possibilidades e campo de intervenção, um significativo contributo para a preservação da democracia: “A educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros, das suas personalidades e projectos individuais de vida, aberto à livre troca de opiniões…” (cf. art.º 23.º, ponto 3). A relação entre escola e democracia está em Portugal claramente estabelecida no texto constitucional (cf. artigos 73.º e 74.º). O Estatuto do Aluno, numa linha de coerência ideológica enquadra a definição e regulação dos direitos e deveres dos alunos (cf. artigos 6.º e 7.º), nos princípios do Estado de direito democrático, nos valores de uma cultura de cidadania, nos valores da democracia, e do exercício responsável da liberdade, e toma, como referências morais, éticas e civilizacionais, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (cf. artigo 2.º), A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (cf. art.º 6.º). O Estatuto inspira-se nestas referências para estabelecer que o aluno tem direito a “Ser tratado com respeito e correcção por qualquer membro da comunidade educativa, não podendo, em caso algum, ser discriminado em razão da origem étnica, saúde, sexo, orientação sexual, idade, identidade de género, condição económica, cultural ou social ou convicções políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas” (cf. art.º 7.º). Globalmente esta disposição adota o estabelecido no artigo 13.º da CRP sobre o princípio da igualdade (cf. art.º 13.º). A formação dos alunos nesta cultura de igualdade, de não discriminação, implica uma ação educativa específica e intencional, e também, uma certa forma de conviver na escola. E é um desafio complexo, pois trata-se de ‘difundir’ uma espécie de “cultura democrática comum”, em múltiplos contextos sociais e culturais, trabalhando com crianças e jovens - rapazes e raparigas - de diferentes classes sociais, de diferentes grupos étnicos e culturais, de diferentes religiões, de diferentes educações e configurações familiares, de diferentes origens geográficas e nacionalidades. … e de construção de uma escola com regras, com disciplina, mas não autoritária O Estatuto inspira-se em documentos de referência que primam pelo humanismo, pelo universalismo, pela cultura democrática, e faz uma coisa muito importante: atribuiu, de forma muito equilibrada, direitos e deveres aos alunos. Num tempo e numa cultura que tende a centrar-se quase exclusivamente nos direitos é importante formar as jovens gerações na ideia de que viver em sociedade também implica, necessariamente, o cumprimento de determinados deveres. Pela sua relevância para a relação educativa e pedagógica e para a convivência na escola realçaria, no campo dos Direitos, o direito a não ser de forma alguma discriminado ou vítima de exclusão social, o direito à segurança e ao respeito pela integridade física e moral, o direito à confidencialidade, o direito à participação no governo da escola, o direito à participação na definição do projeto educativo e do regulamento interno, o direito a apresentar críticas e sugestões, e a ser ouvido pelos professores, diretores de turma e órgãos de administração e gestão da escola (cf. art. 7.º), e, no campo dos Deveres, o dever de respeitar todos os membros da comunidade educativa, o dever de respeitar a autoridade dos professores, o dever de respeitar a integridade física e psicológica de todos os membros da comunidade educativa, o dever de respeitar as instalações e o património da escola, o dever de não usar telemóveis na sala de aula, o dever de não captar e difundir, sem autorização, na internet ou noutros meios de comunicação, imagens de atividade letivas e não letivas. (cf. art.º 10.º). Como se pode concluir, o enquadramento moral, ético, político e ideológico que subjaz à escola pública em Portugal deslegitima qualquer conceção autoritária ou despótica da educação escolar: professores e alunos não são colocados numa relação hierárquica, numa estrutura de dominação-subordinação. Respeitar a autoridade dos professores - ou seja, a sua legitimidade para - no quadro do referencial normativo, legal, ético, político e civilizacional acima referido - orientarem e conduzirem as atividades letivas e exercerem, enquanto representantes da geração adulta, uma intencional ação educativa na sua quotidiana interação com os jovens- não implica, à maneira da escola autoritária, uma obediência automática e acrítica. É importante todavia distinguir entre democracia e um regime de “laisser faire, laisser passer”, e por isso, a enfâse nos deveres, nas regras, deixa claro que a escola, não é, nem pode ser, o “reino do vale tudo”, e que a liberdade deve ser vivida com responsabilidade, e em relação e ponderação com outros valores também muito importantes (por exemplo, a justiça, o respeito pelos outros, a segurança), para além de o seu exercício dever igualmente ser adaptado e contextualizado face a exigências específicas de funcionamento da escola, em geral, e do processo ensino/aprendizagem, em particular. Algumas interrogações No quadro da relativa autonomia da escola, o Estatuto do Aluno deve ser operacionalizado num regulamento interno (cf. art.º 49.º). Na sua elaboração deverá participar a comunidade escolar, em especial através do funcionamento do conselho geral” (cf. art. 50.º). Pergunta-se: a referida comunidade escolar participa mesmo? Ou o regulamento surge ou aparece já feito, numa adaptação burocrática, mais ou menos apressada? Qual será a participação dos pais e encarregados de educação? E dos alunos? E do pessoal não docente? O Estatuto diz, no seu artigo 6.º que o aluno “(…) tem o direito e o dever de conhecer e respeitar os valores inscritos na Constituição, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a Convenção dos Direitos da Criança”. Pergunta-se: este conhecimento, tão importante para sua formação cívica e cidadã é de facto transmitido aos alunos? Se sim, como, através de que estratégias, métodos e atividades educativas? Qual é a profundidade da participação dos alunos nos órgãos de administração da escola? (cf. art.º 7.º). É, na prática respeitado e praticado o direito dos alunos a apresentar críticas e sugestões e a serem ouvidos pelos professores, diretores de turma e órgãos de administração da escola? (cf. art.º 7.º). Os alunos serão, de facto, esclarecidos sobre o regulamento interno? Se sim, através de que meios e processos? Os alunos subscrevem, mesmo, uma declaração anual de aceitação do regulamento interno e de compromisso de cumprimento integral, tal como se prevê ou estabelece no art.º 10.º)? Certos deveres dos alunos, como, por exemplo, o não uso de telemóveis na sala de aula, a não gravação e difusão de imagens ou sons, são explicados aos alunos (mostrando que valores e direitos sociais e individuais ficam em causa) de forma a não serem vistas como medidas arbitrárias? E como se chega à definição empírica da noção de vestuário adequado, muito problemática do ponto de vista de certos valores - individualismo, direito à diferença e à livre expressão individual - muito acarinhados nas sociedades abertas e culturalmente plurais) de “vestuário adequado”? (cf. art.º 10.º, alínea v). Conclusão Respondendo à questão inicial diria que, na minha perspetiva, o Estatuto do Aluno é uma referência legal, normativa e institucional de grande utilidade para ajudar a construir uma escola que efetivamente o seja, no quadro, muito complexo, da atual sociedade democrática, aberta, pluralista, pós-autoritária, hedonista e individualista. O Estatuto propõe um conceito de educação - aprendizagem e interiorização de determinados valores e ideais, recusando o relativismo moral, ético, cultural e político; propõe uma escola vista principalmente como local de trabalho, de esforço, de construção de futuros, onde o mérito conta, recusando a banalização da escola e a sua associação a uma lógica e uma prática de festa permanente, protegendo, assim, a ideia da escola como instituição especial que requer uma atitude também especial; propõe uma relação pedagógica e educativa não autoritária, defendendo os direitos dos alunos, mas sem cair na armadilha de não associar a esses direitos um conjunto de deveres e regras de conduta. E, responsabilizando, cada vez mais, os pais e encarregados de educação pelo cumprimento do dever da escolaridade obrigatória. Em resumo, o Estatuto é um documento complexo, com muitos aspetos que devem ser interrelacionados através da análise e debate social, para que se torne mais fácil apreender o modelo de escola que nele está implícito. Para mim, e nesta primeira leitura ou aproximação sociológica, o Estatuto (que, no continente, tem apenas um ano de aplicação) é, por assim dizer, um excelente “documento de trabalho”, uma fonte de inspiração para a construção e consolidação, contextualizada, de uma escola democrática, humanista e universalista em Portugal. Bibliografia Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [disponível em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2010:083:0389:0403:pt:PDF] Constituição da República Portuguesa [disponível em: http://www.parlamento. pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx] Convenção Europeia dos Direitos do Homem [disponível em: http://www.echr. coe.int/Documents/Convention_POR.pdf] Convenção sobre os Direitos da Criança [disponível em: http://www.unicef.pt/ docs/pdf_publicacoes/convencao_direitos_crianca2004.pdf] Declaração Universal dos Direitos do Homem [disponível em: http://dre.pt/comum/html/legis/dudh.html] Lei n.º 46/1986, de 14 de outubro- Lei de Bases do Sistema Educativo-, com alterações introduzidas pela Lei n.º 115/1997, de 19 de setembro, e alterações e aditamentos introduzidos pela Lei n.º 49/2005 de 30 de agosto. Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro- Aprova o Estatuto do Aluno e Ética Escolar, que estabelece os direitos e os deveres do aluno dos ensinos básico e secundário e o compromisso dos pais ou encarregados de educação e dos restantes membros da comunidade educativa na sua educação e formação. i Endereço de correio eletrónico: calberto@ie.uminho.pt Violência e ambiente escolar - Projeto Carta da Convivialidade Fernando Marcelo Melimi - Direção Regional de Educação Centro de Investigação em Estudos da Criança, do Instituto de Educação da Universidade do Minho Introdução Atualmente as escolas não podem, em momento algum, renunciar ao seu papel de instituições corresponsáveis pela promoção da saúde psicossocial entre a população infantojuvenil. Neste sentido, a escola não pode manifestar qualquer tipo de tolerância em relação a qualquer forma de violência juvenil que ocorra no seu seio. Trata-se de um problema cada vez mais frequente, com graves consequências e que não pode ser menosprezado. Por outro lado, para que a escola possa cumprir a sua principal missão - a obtenção do sucesso educativo - é fulcral a existência de um clima escolar seguro, inclusivo e respeitador, onde os professores possam ensinar e os alunos aprender. Para tal, há que desenvolver no interior das escolas uma cultura que não é condicente com quaisquer atos de agressão física, verbal ou relacional. Este desejado “ambiente positivo e seguro não se desenvolve naturalmente, deve ser criado, nutrido e mantido pelos estudantes, pais, professores e restante pessoal escolar” (Porter, Plog, Jens, Garrity, & Sager, 2010, p. 431). Para evitar comportamentos indisciplinados ou mesmo violentos é necessário que o aluno se sinta totalmente integrado na sua realidade escolar, tanto a nível relacional, como a nível da motivação que possui pelos estudos. Um ambiente escolar desfavorável constitui uma fonte de vulnerabilidades relativamente à integração e segurança de toda a comunidade educativa. Estes problemas de violência escolar são cada vez mais evidentes na sociedade atual e podem ser intervencionados simultaneamente porque muitos dos fatores que os originam são semelhantes. Na raiz destes fenómenos muitas vezes estão aspetos e caraterísticas dos alunos, das famílias, das políticas educativas, da gestão escolar, das próprias comunidades, que constituem invariáveis sobre as quais é prioritário intervir. Pereira (2001) afirma que o problema da violência está generalizado. “É um problema que afeta de um modo geral as escolas portuguesas, ainda que de escola para escola este problema assuma níveis e contornos próprios” (p. 29). O propósito deste artigo é enquadrar concetualmente a problemática da violência escolar e de analisar a sua relação com o clima das escolas. Pretende-se igualmente fornecer uma perspetiva sobre os principais aspetos de intervenção e descrever alguns pressupostos do Projeto Carta da Convivialidade Escolar, uma intervenção concertada e de âmbito global, a decorrer nas escolas de 2.º e 3.º ciclos da Região Autónoma da Madeira. 1 - Clima escolar versus violência na escola O clima escolar é composto pela inter-relação das atitudes, sentimentos e comportamentos dos indivíduos inseridos no sistema formado pela escola. Para Dorsey (2000), o clima escolar envolve quatro relações fundamentais: a relação do aluno consigo próprio, do aluno com os seus pares, do aluno com os seus pais e comunidade, e do aluno com o pessoal escolar, incluindo professores, administradores e restantes funcionários. Para além do foco nas inter-relações, Welsh (2000, p. 89) também inclui as cognições na sua definição: “as crenças, valores e atitudes não escritos que se tornam no padrão de interação entre alunos, professores e administradores”. Segundo o autor, “o clima escolar define os parâmetros de comportamento aceitável entre todos os protagonistas da escola, e atribui a responsabilidade individual e institucional para a segurança escolar” (p. 89). Mais recentemente, Orpinas e Horne (2010) referem que o clima de uma organização como a escola engloba os seus valores, estilos de comunicação e gestão, regras e regulamentos, práticas éticas, tipo de reforço aos comportamentos humanos e solidários, incentivo à excelência académica e as próprias caraterísticas do seu envolvimento físico. O surgimento da violência escolar não cria apenas um clima de medo e instabilidade emocional na escola, como constitui ainda um obstáculo ao processo de aprendizagem e à missão educativa da escola (Gottfredson, 1989; Jenkins, 1997). O termo violência na escola diz respeito a todos os comportamentos agressivos ou antissociais que ocorrem no ambiente escolar, o que inclui conflitos interpessoais, danos ao património, atos criminosos, etc. (Neto & Saavedra, 2003). Entre os comportamentos antissociais que ocorrem na escola consideram-se condutas como a perturbação na sala de aula, a indisciplina, o maltrato aos companheiros, os danos materiais, as agressões sexuais, que afetam sobretudo a população feminina, e a violência física. Nos comportamentos antissociais, incluem-se também os que produzem discriminação ou outras formas de maus tratos a pessoas ou grupos, por motivos raciais, religiosos, políticos, entre outros (Otero & Miranda, 2010, pp. 1-2). Embora cheguem a ocorrer incidentes dramáticos de violência escolar, a violência que normalmente ocorre no dia a dia da escola é de natureza muito mais insidiosa e subtil. A violência escolar não é constituída apenas por ações visíveis, como lutas e agressões, é igualmente expressa impercetivelmente, através de um clima escolar que induz medo aos alunos (Dorsey, 2000). Exemplos desta violência menos explícita são: o aluno não falar na sala de aula por medo de ser ridicularizado; o aluno ser chamado de “gay” por não adotar um padrão comportamental tido por ajustado ao seu género; a maledicência; provocações verbais e insultos; contactos físicos abusivos ou comentários pejorativos baseados na aparência física do colega, seja pela sua raça, etnia, género ou caraterísticas pessoais. A violência escolar, explícita ou implícita, tem um profundo impacto no clima de uma escola, mas acaba também por ser um reflexo desse mesmo clima, tal como comprovam as pesquisas de Sherman e colaboradores (1997). Estes investigadores efetuaram uma revisão sobre estudos que examinaram o clima escolar e concluíram que a forma como as escolas são administradas está diretamente relacionada com o nível de perturbações de comportamento registadas. Por exemplo, escolas em que a administração e o corpo docente não comunicam de forma profícua e não trabalham conjuntamente para resolver os problemas, possuem professores menos motivados e alunos mais perturbadores; o mesmo acontece em escolas que ignoram as más condutas ou que possuem regras, consequências e recompensas pouco claras ou mesmo ambíguas. Além disso, quando os alunos se sentem pouco ligados à escola e não acreditam que exista uma verdadeira preocupação para com o seu bem-estar surgem níveis mais elevados de desordem. Inversamente, segundo Stockard e Mayberry (1992), fatores como a existência de expetativas positivas que concorram para a realização dos alunos, escolas ordeiras, bom clima de aula, pessoal escolar motivado, envolvimento ativo dos alunos e boas relações sociais entre pares, têm um impacto benéfico no clima da escola. Deste modo, do ponto de vista do clima escolar, a violência escolar pode ser definida como qualquer ação proveniente dos jovens ou afetando-os, cujo impacto seja prejudicial ao ambiente social da escola (Dorsey, 2000). Isto é consistente com a perspetiva do Center for the Prevention of School Violence’s (2000), para o qual “qualquer comportamento que viole a missão educativa da escola, o seu clima de respeito ou comprometa a sua intenção de permanecer livre de atos agressivos contra pessoas ou bens, drogas, armas e perturbações ao funcionamento” (p. 2) pode ser caraterizada como violência escolar. 2 - Promovendo um clima escolar positivo e o desenvolvimento de competências sociais Uma escola com bom ambiente é convidativa e os alunos e os professores sentem-se motivados para darem o seu melhor. Um envolvimento tal aumenta o sentimento de conexão em relação aos pares e de pertença em relação à escola, os alunos melhorarão o seu desempenho académico, o que desde logo reduzirá a probabilidade de exibirem comportamentos agressivos (Orpinas, Horne, & Staniszewski, 2003). Porém, para desenvolver um projeto de intervenção em contexto escolar, será necessário que a escola reconheça a existência do problema. É primordial que ela o defina como prioridade na esfera do seu projeto educativo e que ao mesmo tempo corresponda um sentimento de partilha e de compromisso coletivo, com a formação de um grupo de trabalho para sistematizar a respetiva intervenção, tendo em conta as prioridades definidas (Pereira, 2008). A autora acrescenta que o objetivo é avançar para a intervenção como forma de prevenção e redução das práticas agressivas na escola. O enfrentar de fenómenos com propriedade de metamorfose exige agilidade na monitorização das várias medidas colocadas em prática. É imprescindível efetuar uma avaliação geral, num exercício prospetivo e projetivo, para definir, com maior assertividade, o que deve ser modificado e em que sentido (Pereira, Costa, Melim, & Farenzena, 2011). Os autores ressalvam que o intercâmbio de experiências entre as escolas e a investigação podem facilitar a ação preventiva, mas é indispensável não esquecer cada realidade em particular e não cair em modelos de interpretação e de intervenção rígidos. Se por um lado a apresentação de um receituário representa a negação das evidências científicas, o conhecimento, já produzido a respeito, permite que sejam listados alguns indicativos de base.“A escola deve desenhar a sua intervenção com vista à resolução dos seus problemas” (Pereira, 2001, p. 28). Neste sentido, é pertinente que sejam cuidadosamente consideradas, e a partir de vários pontos de vista, as peculiaridades de cada escola: a comunidade de inserção; a imagem institucional perante os diversos segmentos; as expetativas dos vários protagonistas sociais; os valores disseminados nos processos de ensino e de aprendizagem e nas interações no espaço escolar - inter e intrageracional; o entendimento, o caráter e a incidência do que se compreende por conflito. Finalmente é de referir que o contexto em que a implementação de um programa ocorre é tanto ou mais importante do que o tipo de intervenção propriamente dito. Fatores como o motivo pelo qual a intervenção será realizada (e.g. por imposição superior ou em resposta a um determinado evento que ocorreu na própria escola) podem ter um profundo impacto na forma como decorre a implementação. Segundo Forgatch (2003, p. 2), grande parte dos processos de implementação deste tipo de programas ocorre em escolas sobrecarregadas, sem os recursos necessários, sem o benefício de uma liderança firme e com falta de apoio político a um nível superior. Fatores que conjuntamente ou por si sós podem limitar grande parte dos benefícios que podem advir das medidas a introduzir. 3 - Estratégias de intervenção em contexto escolar Uma estratégia preventiva bem concebida propõe--se a trabalhar com o problema nas suas origens pelo que a escola deve começar a prevenção dos comportamentos violentos mediante a promoção de competências sociais positivas (Vettenburg, 2000). Segundo o mesmo autor, resultados duradouros, de um programa preventivo, exigem um sistema aberto e partilhado em termos educacionais, baseado no encorajamento e na estimulação de condutas pró-sociais. Introduzir na escola processos formativos voltados à educação emocional, com práticas quotidianas de convívio respeitoso nas diversas interações, também podem contribuir para a melhoria do convívio e prevenção da violência (Martins, 2009). No conjunto de aprendizagens previstas pela educação escolar direcionada à infância e à adolescência, destacam-se assim as competências cognitivas, emocionais e comportamentais, através da promoção do comportamento assertivo na resolução de problemas, da participação ativa dos alunos, etc. Também o envolvimento em certas atividades extracurriculares, sobretudo se tiverem uma índole cooperativa, podem constituir fatores de proteção (Glew, Fan, Katon, Rivara, & Kernic, 2005) e medidas eficazes na redução da violência (Gladden, 2002). Uma recente meta-análise (Ttofi & Farrington, 2011) tornou pública uma revisão sistemática dos resultados e das avaliações de 59 relatórios, decorrentes de 30 programas de prevenção e intervenção, desenvolvidos em diversos países, entre os anos de 1983 e 2009. Foram identificados elementos comuns nos doze programas considerados efetivos na redução do bullying, mas que podem ser válidos quando aplicados contra outras formas de violência, nomeadamente: o fortalecimento da comunicação e do vínculo com os pais, dando suporte para a emergência e afirmação de uma referência parental positiva; a melhoria da supervisão dos recreios, supondo a presença de agentes educativos aptos a intervir sem retirar a autonomia dos estudantes, elemento que problematiza a formação profissional desses agentes que atuam no âmbito dos vários espaços da escola, como secretaria, cantina, corredores, pátio, ginásio, biblioteca, etc.; a adoção de métodos disciplinares, numa lógica de corresponsabilidade; o uso didático, numa perspetiva de participação e reflexão discente, de conferências escolares, assembleias, vídeos e outros recursos multimédia e, por fim, o trabalho cooperativo entre pares. Em Portugal, algumas intervenções (Ferreira & Pereira, 2001; Pereira, 1997, 2008) revelaram-se casos de sucesso na diminuição das práticas agressivas e de intimidação. Nessas, foram introduzidos nos recreios, como uma das medidas de destaque, materiais lúdicos móveis para livre utilização dos alunos, contando com o apoio de auxiliares da ação educativa e de professores como supervisores. O objetivo destas iniciativas assenta numa oferta de práticas de tempos livres que proporcionem às crianças uma educação para o lazer e favoreçam o desenvolvimento de competências diversificadas. Programas desta natureza deverão basear-se igualmente num conhecimento atento ao insucesso e ao abandono escolar (Nansel et al., 2001), às motivações e expetativas de alunos, pais e professores, o que permitirá encaminhar a ação educativa para impulsionar competências pessoais e sociais e prevenir comportamentos agressivos (Matos, Negreiros, Simões, & Gaspar, 2009). Por meio do desenvolvimento das atitudes e das competências necessárias para melhorar o êxito escolar, a criança fortalece os seus laços com a escola, a aprendizagem curricular, a autoestima e as competências sociais (World Health Organization, 2002). É de reafirmar o decisivo papel das famílias no desenrolar das práticas agressivas estabelecidas no contexto da escola. O acompanhamento direto da trajetória escolar de crianças e adolescentes, por meio do diálogo constante entre educadores formais e informais, é fator determinante ao perfil comportamental do estudante, interferindo também nas suas relações com o mundo do conhecimento. Há evidências de que o estilo parental se relaciona com as condutas manifestadas pelos alunos nos contextos escolares (Pereira et al., 2011). Deste modo é importante evitar que as medidas implementadas na escola e na família sejam marcadas pela divergência de valores, expetativas e metodologias. 4 - Pressupostos para a construção de um modelo prático de Intervenção A gestão escolar constitui uma das variáveis fundamentais para a compreensão e suporte das medidas de intervenção a serem implementadas. Os gestores escolares, por meio da liderança que exercem nos diversos âmbitos da comunidade educativa, assumem o papel de sujeitos políticos, com força e legitimidade para fomentar um clima de convívio pacífico, favorável ao reconhecimento e à aceitação das diferenças. Não fazê-lo implica abdicar do protagonismo social que lhe compete no âmbito de uma instituição com múltiplas responsabilidades: função de formação, educação e instrução (Lourenço, Pereira, Paiva, & Gebara, 2009). A escola deve, igualmente, a partir do projeto educativo implementado, multiplicar espaços e garantias para que as crianças possam falar, por meio de múltiplas linguagens, comunicando as suas emoções e sentimentos, questionando, argumentando e refletindo. Em atenção à especificidade da infância é pertinente que experiencias lúdicas sejam contempladas, como um dos eixos do trabalho educativo. Brincadeiras, jogos, alternativas de lazer e de interação social ampliam a aprendizagem social e permitem o desenvolvimento da autonomia, na busca de soluções para as diversas situações da vida (Pereira et al., 2011). Contudo, ainda que desfrute de significativo poder socializador e formativo, constituindo-se em notável agência educativa, a escola não é suficiente para assumir sozinha a responsabilidade de muitos problemas e situações graves que ocorrem no seu seio. Por isso, recomenda-se trabalhar de forma articulada com a rede social básica, constituindo um tecido interdisciplinar resistente, capaz não só de suportar pressões desestabilizadoras, como de se antecipar às mesmas, emitindo respostas na esfera da prevenção. Áreas como a educação, a saúde, a assistência social e os órgãos responsáveis pelas políticas públicas educacionais e de segurança devem estabelecer, no seu processo de trabalho, parcerias estratégicas que visem a promoção da qualidade de vida individual e coletiva. Por outro lado, a ideia ilusória de que respostas oriundas de organismos policiais e judiciais são, por si só, suficientes para alterar práticas sociais e reduzir condutas agressivas é errada. A iniciativa de intervir sobre estes fenómenos precisa ser retomada pelo coletivo educador, da escola e da família, em interlocução com as demais áreas mencionadas. Como nenhuma escola é uma ilha, somente o trabalho multidisciplinar ou intersectorial, definido contínua e coletivamente, pode obter respostas satisfatórias do ponto de vista da maior valia da ação interventiva. O acompanhamento familiar, em determinados casos, por profissionais da área médica, da psicologia, do serviço social, da justiça ou de outras áreas da organização social, não pode constituir recurso de exceção e de difícil acesso. Ressalte-se a pertinência de que os diversos profissionais envolvidos atuem de forma integrada e sob o princípio ético da corresponsabilidade. Sempre que o contexto de referência seja considerado de risco ou remeta a uma situação de vulnerabilidade social, será preciso estabelecer uma intervenção global, que modifique as condições de base. É necessário um esforço civilizacional compartilhado, para que em todos os níveis e dimensões da vida do jovem resplandeça uma mensagem firme e unânime no que diz respeito à relação com os colegas. Eis a síntese da consciência que precisa ser deslocada de uma condição futura para o presente concreto, (re)estabelecendo a condição de cidadania da infância e da adolescência, usurpada pelo mundo adulto: a) que todos temos direito ao bem-estar pessoal e ao respeito pelos outros, independentemente da nossa habilidade, capacidade, aparência, idade, género, raça e religião; b) que é melhor cooperar e contribuir do que competir e excluir, já que todos podemos dar um contributo único que pode ser utilizado na realização de objetivos comuns; c) que o convívio intergeracional e intrageracional é um modelo inequívoco de formação humana, em que todos se educam recíproca e continuamente. Por outro lado, a prática de dar voz à criança e ao jovem, reconhecendo-os em sua competência comunicacional e de leitura da realidade, deve ser resgatada nas vivências escolares, definindo-se novos parâmetros relacionais. 5 - Projeto Carta da Convivialidade Escolar A iniciativa Carta da Convivialidade Escolar resulta da intenção da Secretaria Regional de Educação e Recursos Humanos em assumir uma dinâmica participativa com as escolas, na análise e intervenção sobre os vários fenómenos de violência escolar e o foco da sua ação centra-se na estimulação de um ambiente escolar seguro, inclusivo e propício às aprendizagens. Este projeto de intervenção que se desenvolve sob a tutela da Direção Regional de Educação, a supervisão científica do Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho e a colaboração do Departamento de Psicologia da Universidade da Madeira tem como principais desígnios promover em cada escola o debate e a reflexão sobre as prioridades e possibilidades de intervenção a este nível; analisar a incidência e a natureza dos vários comportamentos antissociais que ocorrem em contexto escolar; registar o conjunto de boas práticas que têm sido levadas a cabo pelas escolas com o propósito de combater estes fenómenos; e unir as escolas num esforço conjunto, estabelecendo-se uma rede de partilha de informação e estratégias, em prol de um ambiente escolar adequado ao incremento do sucesso educativo. 5.1 - Âmbito de intervenção Por forma a concretizar os seus intentos, a Carta da Convivialidade Escolar pretende implementar grupos de trabalho nas escolas, que por sua vez, dinamizaram as estratégias necessárias à diminuição da indisciplina, do bullying, da violência e de outros fenómenos relacionados. A ideia é que este projeto se adapte à realidade e às dificuldades da escola e que, inclusivamente, através de uma capacidade de metamorfose, possa continuar a ajustar-se, experimentando, se necessário, ano após ano, diferentes procedimentos de atuação, diversas estratégias. Os planos de cada escola poderão incluir iniciativas dirigidas a toda a comunidade escolar - alunos, professores, funcionários, pais e encarregados de educação - aumentando a sua motivação e comprometimento em relação ao projeto educativo, cultural e social da instituição e a possibilidade de estabelecer parcerias com a comunidade envolvente, nomeadamente, com os serviços de saúde pública, assistência social, comissão de proteção de menores e escola segura. A ação do projeto Carta da Convivialidade em cada escola poderá sentir-se desde a sua intervenção ao nível da disciplina de Formação Pessoal e Social, contribuindo para a consciência crítica dos alunos relativamente a estas temáticas e para o desenvolvimento de competências de relacionamento interpessoal, até à sua integração direta na equipa multidisciplinar da escola, prevista pelo novo estatuto do aluno, uma vez que muitos dos seus propósitos são semelhantes. 5.2 - Resultados preliminares A recetividade e a participação das escolas neste projeto foram decisivas para a sua estruturação ao longo do ano letivo transato. É de salientar que a colaboração com as escolas salvaguardou a singularidade das suas realidades e a especificidade dos seus problemas, ao promover-se um debate interno e uma reflexão alargada sobre as respetivas possibilidades e prioridades de intervenção. Da pesquisa realizada podemos destacar alguns aspetos que parecem influir significativamente ao nível do trabalho efetuado pelas escolas em prol da qualidade do clima relacional das suas comunidades educativas: a) a abordagem de temas relacionados com a Convivialidade nas aulas de Formação Pessoal e Social, com recurso a filmes, jogos, debates, atividades interativas e de desenvolvimento do relacionamento interpessoal é uma estratégia bem sucedida, quando salvaguardados os níveis de escolaridade a que se destinam; b) os gabinetes de intervenção disciplinar são uma estratégia eficaz no controlo e monitorização da indisciplina, quando adaptados à realidade das escolas e constantemente reajustados em função dos resultados obtidos; c) a supervisão acrescida e sistemática dos recreios e de outros espaços da escola pode reduzir significativamente a incidência de conflitos entre os alunos; d) os centros de desenvolvimento de competências pessoais e sociais nas escolas ou os “espaços amigos”, que facilitam apoio individualizado ou através de pequenos grupos, são uma forma válida de ajudar não só as crianças vitimadas, assim como os próprios agressores; e) a existência de um professor coadjuvante na sala de aula, ainda que pontualmente, é uma forma eficiente de melhorar a organização e o clima da aula em turmas com desafios disciplinares; f) a existência de uma íntima colaboração e comunicação entre a escola e o policiamento de proximidade da Polícia de Segurança Pública (e.g. escola segura) pode ser uma mais-valia no aumento da qualidade do ambiente escolar; g) para integrar com sucesso os alunos que apresentam desafios disciplinares e comportamentais às escolas, o desenvolvimento de percursos curriculares alternativos constitui uma estratégia extremamente válida na maioria das situações estudadas. As aprendizagens são rentabilizadas com turmas mais reduzidas, com professores motivados e preparados, desenvolvendo projetos específicos em cada turma - ao atribuir mais espaço curricular a determinadas áreas de interesse, seja ele desportivo, artístico, etc. - e envolvendo ativamente os pais desses alunos. h) a tutoria e o acompanhamento individualizado são muitas vezes a única forma de conseguir integrar eficazmente na comunidade educativa, determinados alunos com elevados níveis de comportamento disruptivo. 6 - Conclusão Acima de tudo é importante unir as escolas num esforço conjunto de reflexão e avaliação sobre as estratégias implementadas em prol de um melhor ambiente escolar e da redução da incidência deste tipo de fenómenos que prejudicam a qualidade do ensino. A partir do próximo ano letivo será possível continuar a trabalhar com as escolas no sentido de perseguir os objetivos estabelecidos ao nível dos seus planos de ação, assim como, promover uma aproximação entre as várias instituições num esforço conjunto de reflexão e avaliação sobre as estratégias implementadas. Apenas com um acompanhamento regular e atento das atividades previstas para melhorar o ambiente das escolas e reduzir as situações de conflitualidade é que se poderá assegurar uma evolução efetiva, embora gradual, nesta área de intervenção/investigação. Pretende-se simultaneamente continuar a trabalhar na fase de diagnóstico/implementação inicial em algumas escolas que não estiveram tão disponíveis para esta parceria, durante o passado ano letivo. Bibliografia Center for the Prevention of School Violence’s (2000). A vision for safer schools. Raleigh: Autor. Dorsey, J. (2000). End School Violence. Obtido em 19 de junho de 2002, de Institute to End School Violence: http://www.endschoolviolence.com/strategy/ Ferreira, A., & Pereira, B. (2001). Os materiais lúdicos nos recreios e a prevenção do bullying na escola. Porto: Edições Asa. Forgatch, M. (2003). Implementation as a second stage in prevention research. Prevention & Treatment, 6(24). Gladden, M. (2002). Reducing school violence: Strengthening student programs and addressing the role of school organizations. Review of Research in Education, 263-299. Glew, G., Fan, M., Katon, W., Rivara, F., & Kernic, M. (2005). Bullying, psychosocial adjustment and academic performance in elementary school. Archives of Pediatrics & Adolescence Medicine, 159, 1026-1031. Gottfredson, D. (1989). Developing effective organizations to reduce school disorder. In O. Moles, Strategies to reduce student misbehavior(pp. 87-104). Washington DC: Office of Educational Research and Improvement. Hernandez, T., & Seem, S. (2004). 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A avaliação constitui um meio fundamental para compreender e melhorar uma determinada realidade, mas ela não pode ser encarada, de forma simplista, como a panaceia para todos os problemas, sobretudo se não se questionarem os seus princípios e pressupostos, os seus procedimentos e métodos, os fins a que se destina e os seus efeitos (previstos e não previstos) e ainda se não se aliarem à avaliação políticas e medidas que a complementem e potenciem. Nos últimos anos tem havido uma atenção crescente por parte dos investigadores em relação à avaliação de professores e aos sistemas que têm sido desenvolvidos um pouco por todo o mundo (Flores, 2010a). Não há modelos perfeitos, mas há, de facto, lições que se podem retirar de experiências e contextos onde a avaliação de professores tem vindo a ser implementada (e ajustada) e que permitem compreender melhor esta realidade, enquadrando-a e questionando-a de modo mais fundamentado. Podemos, portanto, colocar a seguinte questão: o que funciona, de facto, na avaliação de professores? Ou, dito de outro modo, o que não funciona na avaliação de professores? Neste texto, procuro identificar um conjunto de aspetos fundamentais a ter em conta na criação e desenvolvimento de sistemas de avaliação de professores à luz da literatura nacional e internacional sobre esta temática, mas tendo também em conta os resultados da investigação que tenho realizado nos últimos anos. São quatro as questões que norteiam esta breve reflexão: Quais são os pressupostos da avaliação? Que propósitos serve ou pode servir? Quais têm sido os seus efeitos (previstos e não previstos)? Que lições se podem retirar das experiências e dos sistemas de avaliação desenvolvidos em vários contextos? Os pressupostos da avaliação: que conceções de professor e de ensino? A reflexão sobre a avaliação de professores implica, necessariamente, a análise de um conjunto de aspetos que a enquadram e definem, nomeadamente a conceção do que significa ser profissional/professor e o modo como se encaram as funções e as dimensões inerentes à profissão docente. Por isso, um determinado sistema de avaliação de professores surge associado a determinadas visões de ensino e de professor (Darling-Hammond, Wise, & Pease, 1983; Day, Flores, & Viana, 2007; Flores, 2005; Flores, em publicação) e ao modo como estas são traduzidas em padrões, critérios e indicadores de avaliação (Avalos & Assael, 2006). Neste contexto, tem-se discutido a pertinência dos padrões de ensino (e de professores) que podem servir de referência para a avaliação. A este respeito, é fundamental distinguir os conceitos de qualidade dos professores e de qualidade do ensino (Darling-Hammond, 2010). O primeiro prende-se com “o conjunto de traços pessoais, destrezas e perspetivas que alguém traz para o ensino, incluindo também determinadas disposições em termos de comportamento” (2010, p. 201). Darling-Hammond (2010) identifica um conjunto de qualidades dos professores, entre as quais se destacam a capacidade de comunicação, o domínio do conhecimento do conteúdo e do conhecimento pedagógico do conteúdo, a compreensão dos aprendentes e da sua aprendizagem e desenvolvimento, e ainda ser um “especialista adaptativo” que permite ao professor julgar sobre o modo como deve agir em determinado contexto para responder às necessidades dos alunos. Outros aspetos incluem um conjunto de disposições para apoiar e estimular a aprendizagem dos alunos, para ensinar de modo justo e imparcial, para adaptar o ensino de modo a que os alunos obtenham sucesso, para continuar a aprender ao longo da carreira, etc. Estes são alguns dos elementos que também estão presentes nos padrões adotados, por exemplo, pelo National Board for Professional Teaching Standards (1999) para a certificação dos professores nos Estados Unidos da América (EUA), que se baseiam em cinco proposições centrais: i) os professores estão comprometidos com os alunos e a sua aprendizagem; ii) os professores conhecem a disciplina que ensinam e como ensiná-la aos alunos; iii) os professores são responsáveis pela gestão e monitorização da aprendizagem dos alunos; iv) os professores refletem sistematicamente sobre a sua prática e aprendem pela experiência; v) os professores são membros de comunidades de aprendizagem. Para Darling-Hammond (2010), a qualidade do ensino surge associada a um ensino sólido, no sentido de fazer com que os alunos aprendam, em função das exigências da disciplina, dos objetivos pedagógicos e das suas necessidades num determinado contexto. Para esta autora norte-americana, «a qualidade do ensino é, em parte, uma das dimensões da qualidade docente - o conhecimento, as competências e as predisposições do professor - mas é também fortemente influenciada pelo próprio contexto de ensino. (…) Um professor “de elevada qualidade” pode não ser capaz de proporcionar um ensino de elevada qualidade num contexto onde existe uma falta de correspondência entre aquilo que é exigido em determinada circunstância e o seu conhecimento ou competências (…) Por exemplo, um professor preparado para ensinar alunos do ensino secundário pode não ser capaz de ensinar crianças mais pequenas; um professor que tenha capacidades específicas para ensinar alunos sobredotados ou alunos de elevado estatuto económico pode não ser capaz de ensinar alunos com dificuldades de aprendizagem ou alunos que não têm, em casa, recursos e acesso aos materiais que os docentes habitualmente pressupõem disponíveis» (pp. 201-202). O mesmo autor ressalta ainda um outro aspeto da qualidade do ensino: as condições em que ele se realiza. Se um professor de qualidade não possuir materiais curriculares relevantes, equipamentos adequados, uma razoável dimensão das turmas e oportunidades para planificar com outros colegas, etc., a qualidade do ensino pode ser menor, apesar de a qualidade do professor ser elevada. E acrescenta: “as iniciativas que visam desenvolver a qualidade do ensino devem considerar não só os meios para identificar, recompensar e utilizar as competências e capacidades dos docentes, mas também para desenvolver contextos de ensino suscetíveis de permitirem boas práticas por parte dos professores.” (2010, p. 202). Assim, a definição de padrões de ensino como base para a avaliação dos professores implica a explicitação do modo como se concebe o ensino e como se veem os professores enquanto profissionais. Se, por um lado, os padrões encerram um conjunto de vantagens - uma vez que podem servir como base de entendimento sobre o que os professores devem saber, pensar e fazer; como referente para a avaliação; como meio de comunicar com o público (e outros agentes educativos); como meta ou referente para o desenvolvimento profissional; como base para a reflexão e para o desenvolvimento de um diálogo profissional, etc. - por outro, apresentam várias questões problemáticas, nomeadamente a ausência de consenso sobre o que devem ser os padrões e quem os deve definir (Smith, 2005). A esta questão podem acrescentar-se outras: o facto de os padrões poderem remeter para uma visão limitada do ensino e da aprendizagem (e condicionar a introdução de novas iniciativas e novas ideias promovidas num quadro de autonomia profissional); o risco de poder ser relegada para plano secundário a importância dos aspetos afetivos do ensino (particularmente numa visão demasiado mercantilista da educação que se centra sobretudo nos resultados) e ainda o facto de o conhecimento que os professores desenvolvem na prática (que é tácito, pessoal, privado, prático, que se baseia na sua experiência, e que inclui determinados valores e perspetivas de encarar o ensino) não ser facilmente traduzível (se é que é possível) na linguagem dos padrões (Smith, 2005). Para além disso, os professores desenvolvem o seu conhecimento e o seu ensino num contexto específico e o que é relevante e apropriado num determinado contexto pode não o ser noutro. Assim, a pertinência e utilidade dos padrões dependem do modo como são definidos e de quem participa na sua explicitação, sobretudo, como acontece nalguns contextos, se forem aplicados no quadro da avaliação do desempenho docente. A este respeito, os professores têm um papel fundamental que não pode ser negligenciado, sobretudo na participação em debates e na discussão do que devem constituir os padrões de referência para o seu trabalho. Como exemplos de quadros de referência para os professores, destaca-se, no Chile, o Marco do Bom Ensino para a avaliação dos professores, os padrões do General Teaching Council, na Escócia, uma entidade independente para a certificação dos professores, criada no final da década de 60, ou ainda o Conselho Nacional para os Padrões Profissionais no Ensino - National Board for Professional Teaching Standards- (NBPTS) nos EUA. Os propósitos da avaliação: para que serve, afinal, a avaliação de professores? Quando se aborda a avaliação de professores é fundamental colocar a seguinte questão: para que serve a avaliação de professores? Ou, por outras palavras, a quem interessa a avaliação de professores? A resposta a esta questão depende dos pressupostos e das conceções de professor que estão subjacentes a um determinado sistema de avaliação, podendo servir para aumentar a eficácia dos docentes, para promover oportunidades de formação e de desenvolvimento profissional adequadas e significativas, para melhorar a qualidade do ensino e, consequentemente, a aprendizagem dos alunos, para melhorar os resultados dos estudantes, para controlar processos e práticas, programas e estratégias, para medir o desvio entre resultados (objetivos concretizados) e objetivos propostos, para gerir carreiras, etc. Estas diferentes lógicas - que são válidas e legítimas e não totalmente exclusivas, embora, nalguns casos, difíceis de compatibilizar na prática - remetem-nos para modos possíveis de encarar a avaliação de professores em função do seu enfoque, dos seus propósitos e dos seus efeitos (previstos e não previstos). De um modo geral, a avaliação de professores pode seguir dois grandes propósitos: formativos ou orientados para o desenvolvimento profissional e sumativos, baseados na prestação de contas e orientados sobretudo para decisões de gestão de carreira (Avalos e Assael, 2006; Chow, Wong, Yeung, & Mo, 2002; Day, 1992; Stronge, 2010). A literatura neste domínio tem demonstrado a tensão entre estes dois propósitos, reconhecendo-se, por um lado, a sua incompatibilidade e, por outro, a possibilidade de incorporar propósitos formativos e sumativos num mesmo sistema de avaliação (Avalos e Assael, 2006; Chow et al., 2002). A questão central reside, portanto, em saber se é possível a coexistência de propósitos formativos e sumativos num mesmo sistema de avaliação, isto porque, para além dos pressupostos diversos a que apelam, remetem também para critérios e instrumentos diferentes que resultam da ênfase colocada no desenvolvimento profissional e na melhoria do desempenho do professor ou na tomada de decisão: selecionar, contratar, promover ou demitir. A este respeito, Marzano (2012) defende que um sistema orientado para o crescimento profissional tem de ser compreensivo (incluindo todos os elementos que a investigação destaca como sendo importantes relacionados com a aprendizagem e resultados dos alunos) e específico (porque inclui um conjunto de estratégias de desenvolvimento numa lógica gradativa que permite aos professores melhorar o seu desempenho). É, portanto, um sistema mais abrangente e mais complexo também do que, por exemplo, os sistemas como o RATE (Rapid Assessment of Teacher Effectiveness- Avaliação Rápida da Eficácia Docente) que tem como objetivo avaliar a eficácia e a eficiência dos professores com base num conjunto de itens a observar na sala de aula (por exemplo, proporcionar objetivos claros das aulas, compreender o background dos alunos, usar mais do que um método de ensino, proporcionar feedback aos alunos, explicar conceitos importantes de forma clara, etc.). Trata-se, portanto, de uma espécie de lista de verificação que não é suficiente do ponto de vista de um sistema orientado para o desenvolvimento (falta, por exemplo, a gestão da sala de aula e o relacionamento professor - aluno). A vertente do professor e da sua participação no processo de avaliação assume uma centralidade importante, bem como o feedback por parte dos colegas, já que os pares podem proporcionar um conhecimento especializado e específico da disciplina que o diretor muitas vezes não possui, introduzindo, portanto, uma dimensão docente ao próprio processo de avaliação e permitindo que os professores tenham maior controlo sobre a sua profissão. Por outro lado, questões como a autoavaliação, a reflexão sobre a prática e a conversação profissional (Danielson, 2012) poderão ser potenciadas. Algumas experiências que tentam conjugar estes dois propósitos revelam que, na prática, um deles tende a anular o outro. Por outras palavras, normalmente os propósitos sumativos sobrepõem-se aos formativos, mesmo em sistemas orientados e construídos na base da conciliação destes dois propósitos, como é o caso do sistema chileno, onde, de entre as questões críticas mais recorrentes, se destaca o facto de muitos docentes encararem o sistema como uma imposição, não parecendo “ter incorporado a prática da avaliação na sua própria cultura pedagógica”, nem ter reconhecido “a oportunidade de desenvolvimento profissional que lhes é oferecida” (Avalos, 2010, p. 59). Alguns autores, como Stronge (2010), sustentam que para que a avaliação de professores seja mais benéfica, terá de haver um esforço concertado para estabelecer uma ligação lógica entre propósitos formativos e sumativos, o que implica a criação de momentos, de instrumentos e de critérios claros e articulados. Tal implica reconhecer e conciliar as expetativas e os interesses dos vários destinatários da avaliação de professores: os professores, os pais, os alunos, os diretores, o Ministério da Educação, etc. Como defende Stronge (2010), idealmente, o desenvolvimento profissional dos professores contribui para a melhoria do seu conhecimento e da sua prática de ensino, o que, por sua vez, contribui, individual e coletivamente, para a melhoria da escola. A vertente formativa orientada para o desenvolvimento profissional ganha outra dimensão pelas suas potencialidades pois permite melhorar o desempenho profissional, mostrar aos professores como podem mudar e evoluir, melhorar as relações entre professores e supervisores, etc. A solução poderá passar por propósitos diferenciados ou instrumentos diferenciados num mesmo sistema, o que tem implicações ao nível não só do modo de funcionamento e organização da avaliação, mas também ao nível dos seus efeitos nas escolas e nos professores. Os efeitos: quais são as implicações da avaliação? A avaliação constitui um processo complexo que requer escolhas, decisões, juízos e procedimentos, encerrando, portanto uma dimensão política, e inscrevendo-se em modelos que lhe dão sentido e forma, servindo, portanto, múltiplas funções. Falar de avaliação implica, portanto, falar dos pressupostos, das lógicas e dos atores nela implicados. A investigação neste âmbito chama a atenção para a importância das perceções dos professores e para a complexidade da dimensão social na implementação de uma qualquer medida política, mais ainda numa matéria sensível e complexa como é o caso da avaliação de professores (Flores, 2009, 2010b; Fullan, 2001; Spillane, Reiser, & Reimer, 2002; Timperley & Robinson, 1997; Van der Vegt, Smyth, & Vandenberghe, 2001). Fatores de natureza política, concetual e operacional podem facilitar ou dificultar a avaliação de professores, por exemplo, a necessidade de ter em conta as variáveis contextuais na implementação de um determinado sistema de avaliação de desempenho, a adequação dos instrumentos de avaliação, a necessidade de os avaliadores serem reconhecidos e a importância do feedback (Vaillant, 2008), mas também o papel das lideranças da escola nas perceções dos professores em relação aos sistemas de avaliação de desempenho e a participação dos docentes como elemento fundamental no seu processo de construção e implementação (Derrington e Flores, em publicação; Flores, 2009; Tuytens e Devos, 2008). Neste sentido, a eficácia e o sucesso de um determinado sistema de avaliação dependem da consideração quer do seu conteúdo, quer do contexto em que este vai ser implementado (Peterson & Comeaux, 1990). O número especial da revista Educational Leadership, publicado em novembro de 2012, inclui um conjunto de experiências e de testemunhos sobre vários sistemas de avaliação, mormente dos EUA, onde esta questão tem também assumido uma centralidade digna de realce, mas também de outros contextos, como é o caso da Coreia do Sul, por exemplo, e é interessante notar os problemas e as interrogações que aí se colocam sobre a avaliação dos professores. Algumas ideias apontam para os efeitos previstos e não previstos da avaliação e que se situam não só no modo como as escolas e os professores (e também os alunos) beneficiam da avaliação do desempenho, seja o desenvolvimento profissional, seja um sistema de recompensas e sanções, etc., mas também nas suas implicações em relação ao próprio desenvolvimento do sistema de avaliação. Por exemplo, no caso da Coreia do Sul, o sistema de avaliação de professores, implementado em 2010, procurava fomentar o desenvolvimento profissional dos professores e, consequentemente, melhorar a qualidade da educação. Embora seja cedo para avaliar os seus efeitos, o relatório intermédio indicou que a maioria dos professores admite que o novo sistema de avaliação teve pouco impacto no seu desenvolvimento profissional e que não os ajudou a identificar os seus pontos fortes e as suas debilidades nem a melhorar o seu ensino (Seo, 2012). O que aconteceu foi que o sistema assumiu uma faceta mais sumativa e orientada para a prestação de contas no sentido de identificar professores eficazes e ineficazes, recompensando os primeiros e “punindo” os segundos com formação contínua prolongada, que alguns professores consideraram humilhante. Também se verificou que os professores tendem a avaliar generosamente os seus colegas para evitar ficarem numa situação penosa e os professores avaliados mostram-se relutantes em discutir abertamente as suas debilidades e dificuldades. No caso da avaliação de professores em Portugal Continental, os resultados da investigação que tem sido produzida permitiu identificar alguns aspetos críticos, nomeadamente a falta de reconhecimento dos avaliadores, a dimensão burocrática e sumativa, as quotas e a falta de condições para implementar o sistema de avaliação nas escolas, entre outros aspetos, emergindo algum ceticismo em relação ao seu impacto no desenvolvimento profissional dos professores e na melhoria da escola (Flores, 2010b, 2012). Contudo, os dados também apontam para aspetos positivos como a emergência de debates sobre a profissão docente, a oportunidade para refletir sobre a prática e as mudanças em relação ao modelo anterior (Flores, 2012). A investigação internacional tem revelado ainda que a avaliação de professores tem sido encarada, muitas vezes, não como uma estratégia de desenvolvimento e de melhoria, mas mais como uma mera formalidade sem significado, tornando-se num “mero exercício que acaba por consumir demasiado tempo”, destacando ainda a existência de uma cultura burocrática, de uma atmosfera conflitual e de falta de confiança como razões que têm conduzido ao fracasso, pelo menos em parte, de muitos sistemas de avaliação (Stronge, 2010, p. 29). Também Avalos (2010), no contexto chileno, identifica alguns aspetos críticos destacando que não existe evidência de que a avaliação docente tenha contribuído para melhorar o desempenho docente e, de forma indireta, os resultados de aprendizagem dos alunos, mostrando-se ainda cética em relação a este aspeto ao afirmar que “é pouco provável que, no futuro, se possa ligar a avaliação docente a significativas melhorias observadas ao nível do desempenho e possíveis melhorias da aprendizagem” (2010, p. 58). Contudo, a autora realça a importância da avaliação no sentido em que ela permite diagnosticar os aspetos mais fortes e as debilidades do desempenho dos professores, não deixando de ressalvar as críticas feitas pelos próprios professores em relação ao funcionamento do sistema de avaliação. Também algumas experiências em alguns Estados dos EUA têm revelado alguns aspetos críticos, mormente em sistemas que visam identificar e medir a eficácia docente, como o caso do MET (Measures of Effective Teaching - Medidas da Eficácia Docente), financiado pela Fundação Bill e Melinda Gates, tendo-se concluído que os sistemas de avaliação dos professores não avaliam com precisão a qualidade dos professores porque não permitem distinguir professores eficazes de professores ineficazes e que os sistemas de avaliação não permitiram desenvolver as destrezas e competências do corpo docente. A literatura tem ainda demonstrado que os sistemas de avaliação sumativa tendem a estabelecer perfis mínimos de competência e a proporcionar climas de apreensão (que se revelam improdutivos) em detrimento de objetivos mais estimulantes e de responsabilidades coletivas; salientando as reservas dos professores em participar em atividades de desenvolvimento profissional se o seu desempenho puder ser usado com propósitos sumativos (Simões, 2000). Por outro lado, os estudos parecem demonstrar uma fraca correlação entre investimento em tempo, energia e recursos e os efeitos em termos de melhoria do ensino, das aprendizagens e de desenvolvimento profissional (Simões, 2000) a que acresce o descrédito junto dos professores mais capazes do valor de uma avaliação baseada nos mesmos padrões ano após ano. Outro aspeto crítico prende-se com a falta de capacitação dos avaliadores para conduzir a avaliação. Tais implicações ou efeitos estão relacionados, em parte, com os problemas associados à avaliação, nomeadamente o seu caráter ritualista e sem efeitos na melhoria da qualidade da educação. Assim, Stronge (2010) propõe a criação de um clima construtivo essencial num sistema de avaliação de professores com base em três componentes: a comunicação, que inclui uma dimensão pública e uma dimensão privada, salientando, entre outros aspetos, a importância do envolvimento dos professores (e outros agentes) na conceção de um sistema de avaliação e a necessidade de uma formação contínua e sistemática de professores e de avaliadores; o comprometimento organizacional na avaliação de professores, nomeadamente por parte das lideranças escolares, que passa, entre outros aspetos, pela disponibilização de tempo para a implementação de procedimentos eficazes de avaliação de professores, pelo apoio e assistência e pela existência de oportunidades de desenvolvimento profissional e, por fim, a colaboração entre administradores e professores de modo a manter a confiança no processo de avaliação e a desenvolver um sentido de apropriação por parte de todos os participantes. Penso que se poderá acrescentar um outro C - o de credibilidade e de confiança. Para funcionar um sistema tem de ser credível e ser aceite pelos vários atores, nomeadamente pelos professores, pois um sistema de avaliação deve ser construído não para os professores mas com e pelos professores. Trata-se, assim, de enfatizar uma perspetiva de implicação e uma lógica de co-construção do sentido da avaliação para que ela possa produzir os efeitos desejados. Lições aprendidas: como desenvolver sistemas de avaliação de qualidade? Na parte final deste texto, com base na literatura existente neste domínio e nas investigações mais recentes, vou sistematizar um conjunto de aspetos que são fundamentais para a criação e desenvolvimento de sistemas de avaliação de qualidade: - A participação de todos os interessados, em particular dos professores. A avaliação dos professores deve ser feita com e pelos professores e não para os professores. Construir um sistema de avaliação que fomente a aprendizagem e o desenvolvimento dos professores exige tempo e requer compromisso e apoio de todos os envolvidos (Seo, 2012). - A transparência e credibilidade do processo. Tal implica a explicitação clara de critérios e dos referentes da avaliação (e também a construção de instrumentos válidos e fiáveis) para que todos e, em especial os professores, possam compreender e participar no processo de avaliação. Se o processo não for credível e se os professores não o valorizarem e se sentirem que não aprendem a partir dele ou se o percebem como injusto e pouco fiável, acabará por falhar. - A formação em avaliação. Para que um sistema de avaliação funcione é necessário que todos - avaliadores e avaliados - compreendam o que está em causa na avaliação. Daí a importância da formação em avaliação e da compreensão e análise de experiências e práticas de avaliação nas escolas. - A criação de um sistema de apoio e monitorização de todo o processo (a nível nacional e local). Tal permitirá compreender o processo de implementação de um sistema de avaliação e introduzir reajustamentos, se for caso disso, mas também possibilitará analisar a relação entre avaliação e melhoria da educação, isto é, compreender os efeitos da avaliação. - O recrutamento (e formação) dos avaliadores. Um sistema de avaliação só será aceite e só resultará efetivamente se os avaliadores forem reconhecidos enquanto tal, se apresentarem as capacidades, competências e conhecimentos adequados para a função e se revelarem um sentimento positivo em relação ao seu trabalho. - A credibilidade e a confiança no processo. É essencial que todos os interessados se reconheçam no sistema de avaliação desde os seus fundamentos e pressupostos passando pelos seus modos de operacionalização e pela avaliação dos seus efeitos (para não ser visto apenas como o cumprimento de uma mera formalidade burocrática). - As oportunidades de desenvolvimento profissional e o timing da avaliação. Para que a avaliação possa produzir os efeitos desejados, é necessário tempo e recursos, nomeadamente no que se refere a atividades e oportunidades que fomentem o desenvolvimento profissional dos professores. Estes, por seu turno, devem compreender que a avaliação os ajuda a melhorar e a melhorar a escola através do desenvolvimento de uma cultura profissional saudável. Tal implica a compreensão da avaliação como um processo e não como uma atividade instantânea. Se perspetivarmos a avaliação como uma estratégia de desenvolvimento e de melhoria, estes princípios, entre outros, precisam de ser considerados numa lógica de colaboração, de participação e de valorização da aprendizagem a partir da avaliação no sentido de promover a qualidade dos professores e do ensino nas escolas. Bibliografia Avalos, B. (2010) O sistema chileno de avaliação do desempenho docente. In M. A. Flores (Org.), A avaliação de professores numa perspetiva internacional: sentidos e implicações(pp. 45-64). Porto: Areal Editores. Avalos, B., & Assael, J. (2006). Moving from resistance to agreement: The case of the Chilean teacher performance evaluation. International Journal of Educational Research, 45, 254-266. Chow, A.P.Y., Wong, E.K.P., Yeung, A.S., & Mo, K.W. (2002). Teacher`s perceptions of appraiser-appraisee relationships. Journal of Personnel Evaluation in Education, 16(2), 85-101. Danielson, C. (2012). Observing classroom practice. 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Journal of Educational Administration, 39, 8-23. i Endereço de correio eletrónico: aflores@ie.uminho.pt Legislação Despacho Normativo n.º 4/2013, de 6 de junho O Despacho Normativo n.º 4/2013, de 6 de junho, vem definir os termos para a execução do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, que estabelece os princípios orientadores da organização, da gestão e do desenvolvimento dos currículos dos ensinos básico e secundário, bem como da avaliação e certificação dos conhecimentos e capacidades dos alunos. Assim, este Despacho clarifica as regras para a avaliação e certificação dos conhecimentos adquiridos e das capacidades desenvolvidas pelos alunos do ensino básico, nos estabelecimentos de ensino público e privado da Região Autónoma da Madeira, bem como os seus efeitos. Para além disso, determina as medidas de promoção do sucesso escolar que podem ser adotadas no acompanhamento e desenvolvimento dos alunos, sem prejuízo de outras que as escolas definam no âmbito da sua autonomia. Na secção I do presente normativo, mais precisamente no artigo 2.º, estabelecem-se diretrizes relativas ao processo individual do aluno. A secção II determina os princípios orientadores do processo de avaliação das aprendizagens dos alunos em termos de: intervenientes e respetivas competências; critérios de avaliação; informação sobre a aprendizagem, assim como o registo, tratamento e análise da mesma. Já na secção III são referenciadas determinadas especificidades da avaliação, designadamente no âmbito da avaliação sumativa interna e respetiva formalização; da avaliação sumativa externa; e os efeitos da avaliação sumativa. Neste documento são igualmente estipulados os termos da classificação, relativamente às condições de aprovação, transição e progressão, na secção IV; e os termos da certificação da avaliação, na secção V. De igual modo, não ficam esquecidas as medidas de promoção do sucesso escolar e situações especiais de avaliação, que se apresentam na secção VI. Face ao exposto, e de acordo com este despacho, a avaliação, constituindo-se como um processo regulador da prática educativa e do ensino, é orientadora do percurso escolar e permite: determinar as diversas componentes do processo de ensino e de aprendizagem; orientar a intervenção do professor na sua relação com os alunos, com os outros professores, com outros profissionais que acompanhem o desenvolvimento do processo educativo e com os encarregados de educação, bem como auxiliar os alunos a formular ou reformular decisões que possam influir positivamente na promoção e consolidação do seu próprio processo educativo. Assim, fica claro que a avaliação tem como objetivos: 1. Melhorar a qualidade do ensino no quadro do sistema educativo regional, através da aferição do grau de cumprimento dos programas e das metas curriculares globalmente fixadas para os níveis de ensino básico. Esta verificação deve ser utilizada por professores e alunos para, em conjunto, suprir as dificuldades de aprendizagem. 2. Conhecer o estado geral da educação e do ensino. 3. Retificar procedimentos e reajustar a aprendizagem das diversas disciplinas em função dos objetivos curriculares fixados. No presente despacho normativo, é feita referência à importância da avaliação formativa no processo de ensino, visto constituir uma modalidade de caráter interativo e contínuo das aprendizagens que fornece indicadores relativos aos objetivos pedagógicos. Espaço TIC A Capoeira “A Capoeira” consiste numa aplicação educativa digital, enquadrada no pacote temático “Animais da Quinta”, produzida pela Direção Regional de Educação da Região Autónoma da Madeira, no âmbito do projeto Pré-Rom - Produção de conteúdos multimédia para a educação pré-escolar. Esta aplicação contou com a participação de alunos de algumas escolas básicas do 1.º ciclo da Região Autónoma da Madeira, na criação de histórias, rimas e músicas. Os seus módulos são constituídos por textos informativos sobre a alimentação, a higiene e a saúde; histórias; rimas; imagens; jogos; músicas e propostas de atividades referentes aos animais da capoeira: galinha, pato e peru. “A Capoeira” pode ser descarregada gratuitamente mediante registo no portal Pré-Rom: http://pre-rom.educatic.info LEGO: Robot Mindstorms NXT No seguimento da filosofia da LEGO®, o Robot Mindstorms® NXT foi desenvolvido para que se possam construir e desconstruir objetos programáveis. O NXT apresenta muitas potencialidades para a sala de aula, destinando-se a crianças com mais de 10 anos. É, no entanto, importante referir que o robot não é direcionado apenas para crianças, sendo cada vez mais utilizado por adultos em trabalhos de investigação, divertimento ou mesmo criação de peças de arte animada. A sua programação permite que este se possa movimentar, bem como emitir sons e utilizar os vários sensores de que dispõe. A sua principal característica é a possibilidade de poder comunicar com um computador através das portas USB ou Bluetooth. Comercialização: Imagina - Casa de São Francisco, Estrada de Assafarge, n.º 6 - 3040-718 Castelo Viegas - Coimbra - Tel: 239 499 230 - Fax: 239 499 239 - Email: info@imagina.pt - Página Web: http://www.imagina.pt Rock - Joystick Programável O Joystick Rock possui todas as funcionalidades de um rato normal, incluindo o clique esquerdo/direito, duplo clique e arraste. Este joystick programável requer movimentos mínimos de mão para que o utilizador possa utilizar o cursor de forma precisa, sem fadiga. É recomendado para utilizadores com dificuldades de controlo motor das mãos, com espasmos musculares ou com dificuldades na coordenação oculomotora. O Joystick Rock não requer software de instalação e funciona nos sistemas operativos Windows e Apple. Possui botões programáveis, avisos sonoros e visuais para indicar a seleção ou mudança de função e controlo da velocidade do ponteiro do rato. Comercialização: Anditec, Tecnologias de Reabilitação, Lda. - Alameda Roentgen, 9 C - 1600-757 Lisboa - Telefone: 217 110 170 Fax: 217 110 179 - Email: anditec@mail.telepac.pt - Página Web: http://www.anditec.pt Os Miúdos e a História de Portugal Os Miúdos e a História de Portugal percorre os principais acontecimentos históricos que ocorreram em Portugal, desde a instalação dos primeiros povos na Península Ibérica até à atualidade. Com animações e um grafismo muito apelativo, de uma forma simples e interativa, este produto promove e facilita o contacto dos mais novos com os momentos mais marcantes da nossa história. Integrado na coleção “Os Miúdos”, esta aplicação multimédia é indicada para crianças a partir dos 7 anos. Comercialização: Porto Editora- Rua da Restauração, 365, 4099-023 Porto - Telefone: 707 22 33 66, 22 605 67 47 Fax: 22 608 83 45 - Página Web: www.portoeditora.pt Livros Currículo Escolar e Justiça Social: O Cavalo de Troia da Educação Autor: Jurjo Torres Santomé Editora: LivPsic Ano: 2013 As instituições escolares têm o dever político de educar, pelo que devem desempenhar um papel ativo como espaços de resistência e denúncia de discursos e práticas que no mundo atual continuam legitimando diferentes formas de discriminação. Um projeto curricular justo deve ajudar os cidadãos mais jovens - especialmente os que pertencem aos grupos sociais mais desfavorecidos - a ver, analisar, compreender e julgar a si próprios como pessoas éticas, solidárias, colaborativas e corresponsáveis por um projeto mais amplo de intervenção sociopolítica de construção de um mundo mais humano, justo e democrático. Partindo dessa reflexão, o autor faz uma análise das relações entre currículo escolar e justiça social a partir da discussão de temas como planeamento curricular, políticas da educação, educação para a cidadania e educação inclusiva. Escritos sobre Educação Autores: António Novoa e Sérgio Niza Organizadores: António Novoa, Francisco Marcelino e Jorge Ramos do Ó Editora: Tinta da China Ano: 2012 Sérgio Niza é a presença mais coerente e inspiradora da pedagogia portuguesa dos últimos cinquenta anos. A sua palavra tem promovido ideias e encontros que marcam as nossas histórias, pessoais e coletivas. Este autor tem-se batido pela transformação da instituição escolar, por uma escola de todos que permita a cada um ir o mais longe possível no seu processo de aprendizagem e desenvolvimento. Sérgio Niza é um homem do diálogo. Com grande sensibilidade, põe-nos a conversar uns com os outros, e com ele, à procura das perguntas e das respostas que nos inquietam como educadores e professores. A sua vida é inseparável do mais importante movimento pedagógico português, o Movimento da Escola Moderna, que ajudou a criar em 1966, e do qual tem sido a principal referência. Este livro é uma memória, é um arquivo, que pode ser lido de todas as maneiras, sem qualquer ordem. Públicos Escolares e Regulação da Educação Lutas Concorrenciais na Arena Educativa Autores: Virgínio Sá e Fátima Antunes Editora: Fundação Manuel Leão Ano: 2010 Esta obra explora os complexos processos de (multi)regulação da educação, procurando esclarecer determinadas questões: como intervêm as políticas educativas, os processos escolares e as estratégias das famílias para produzir um envolvimento educacional diferenciado e uma desigual distribuição e apropriação de bens educativos para distintos segmentos da população? Como lidam as escolas com as novas condições que enquadram as suas atividades, nomeadamente no que respeita à gestão da diversidade dos públicos escolares? Através do olhar sociológico e organizacional, os autores procuram desvelar alguns processos em que interagem certas intervenções do Estado e a multirracionalidade das lógicas de ação presentes nas escolhas das escolas e nas estratégias das famílias face à escolarização dos filhos. Notícias Visitas de Estudo Programa Transversal Ana Paula Vieito - Direção Regional de Educação Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.1 No âmbito do Programa Transversal - Visitas de Estudo, da Agência Nacional PROALV (Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida), intitulada “Promoting social inclusion and gender equality in education and training, including integration of migrants - Developing competences of learning support teachers: Key for inclusive teaching”, que decorreu em Labico - Itália, no passado mês de abril, foi realizada uma atividade de observação/discussão de práticas relacionadas com a inclusão educativa. Nesta visita estiveram presentes profissionais ligados à educação especial de vários países: Alemanha, Finlândia, Turquia, Polónia, Suécia, Bélgica, Látvia, Portugal, Espanha, Bulgária, Estónia, entre outros. Sendo a temática desta visita “Desenvolver as competências dos professores de apoio - chaves para o ensino inclusivo”, pressupunha-se que os países presentes estivessem já em fase de implementação do processo de educação inclusiva. No entanto, pudemos constatar que na maioria desses países ainda não se está a aplicar o conceito de inclusão educativa, como preconizado na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência2, no seu artigo 24.º, ponto 2, nas seguintes alíneas: “a) As pessoas com deficiência não são excluídas do sistema geral de ensino com base na deficiência e que as crianças com deficiência não são excluídas do ensino primário gratuito e obrigatório ou do ensino secundário, com base na deficiência; b) As pessoas com deficiência podem aceder a um ensino primário e secundário inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade com as demais pessoas nas comunidades em que vivem.” Nas reuniões de trabalho realizadas pudemos verificar uma diferença significativa entre as realidades dos países presentes, o que nos permite reafirmar o já enunciado em 1982, no World Program of Action Concerning disabled Persons (ONU)3: “Avanços significativos em técnicas de ensino e importantes desenvolvimentos inovacionais já tiveram lugar no campo da educação especial e muito mais pode ser ainda alcançado no que concerne à intervenção com pessoas com deficiência. Mas este progresso está maioritariamente limitado a alguns países…”. Quando poderíamos pensar que os chamados países mais desenvolvidos, do norte da Europa (Finlândia, Alemanha, Bélgica, Suécia), defensores acérrimos dos direitos humanos, estariam já próximos da plena Educação para Todos, “reconhecendo a necessidade e a urgência de garantir a educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais no quadro do sistema regular de educação”4, como preconizado na Declaração de Salamanca, deparamo-nos com a existência de Escolas Especiais, com um grande número de crianças e jovens em idade escolar, e um reduzido número de alunos com necessidades educativas especiais no sistema regular de ensino. Perante este quadro, podemos concluir que Portugal se encontra na vanguarda no que concerne ao tipo de respostas disponíveis no sistema regular de ensino para as crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais. As medidas educativas previstas na nossa legislação (a nível nacional o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro e a nível regional o Decreto Legislativo Regional n.º 33/2009/M, de 31 de dezembro) parecem-nos as que melhor respondem às necessidades especiais dos nossos alunos, porque mesmo nos países que já avançaram para a inclusão, como a Itália, existe um vazio no atendimento aos alunos com mais limitações e que se encontram a frequentar as escolas do ensino regular, ou seja, frequentam a escola, mas há momentos em que as respostas às suas necessidades são desadequadas ou inexistentes. De acordo com a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência5, no seu artigo 24.º, todos os países que assinaram e ratificaram a Convenção, e que no caso desta visita de estudo eram todos os países presentes, encontram-se preocupados com o não cumprimento das medidas aí preconizadas, nomeadamente com: “1 - Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação. Com vista ao exercício deste direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes asseguram um sistema de educação inclusiva. 2 - Para efeitos do exercício deste direito, os Estados Partes asseguram que: c) São providenciadas adaptações razoáveis em função das necessidades individuais; d) As pessoas com deficiência recebem o apoio necessário, dentro do sistema geral de ensino, para facilitar a sua educação efectiva; e) São fornecidas medidas de apoio individualizadas eficazes em ambientes que maximizam o desenvolvimento académico e social, consistentes com o objectivo de plena inclusão” (Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência). Face a esta situação, o contributo do nosso testemunho para a resolução dos problemas apresentados pelos representantes dos países presentes nesta ação foi bastante válido e acreditamos que constitui um exemplo para a implementação do sistema da educação inclusiva nos respetivos países. Ao sugerirmos a necessidade de promover uma cultura organizacional inclusiva, uma visão holística no apoio a todos os alunos, a diminuição do número de escolas especiais, aproveitando os recursos destas estruturas, a criação de redes de apoio, rentabilizando as sinergias das famílias, escolas e comunidade, estamos a contribuir para que a escola inclusiva seja uma realidade para todos os países que ainda não possibilitaram a concretização deste direito aos seus cidadãos com necessidades educativas especiais. Notas 1 Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de dezembro de 1948, artigo 1º [disponível em: http://www.humanrights.com/pt]. 2 Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 30 de março de 2007 [disponível em: http://www.inr.pt] 3 World Programme of Action concerning Disabled Persons, 3 december 1982 [disponível em: http://www.un.org/disabilities] 4 UNESCO (1994). Declaração de Salamanca 5 Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 30 de março de 2007 [disponível em: http://www.inr.pt] Nova sede da APPDA Carlos Nogueira - Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo A Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo (APPDA - Madeira), instituição particular de solidariedade social (IPSS), foi criada com o objetivo de promover a qualidade de vida das pessoas com perturbações do desenvolvimento e do autismo. É uma associação regional de utilidade pública, que foi criada, à imagem de outras associações, por um grupo de pais em abril de 2004, resultado do incentivo do Centro de Desenvolvimento da Criança do Hospital Dr. Nélio Mendonça, com as reuniões mensais de pais de crianças com perturbações do desenvolvimento. A APPDA tem como missão prestar serviços às pessoas com perturbações do desenvolvimento e do espetro do autismo e aos seus familiares, promovendo a defesa e o exercício dos respetivos direitos e a aquisição e melhoria da qualidade de vida. Com o patrocínio do Governo Regional da Madeira, e destacando, entre outros, a presença de sua Excelência o Presidente do Governo Regional da Madeira, Dr. Alberto João Jardim, a APPDA-Madeira inaugurou no dia 2 de abril de 2013 a sua nova sede, na Avenida Luís de Camões, Bairro do Hospital,14 cave. A abertura deste espaço levou-nos à realização do almejado Centro de Apoio, onde dispomos de uma equipa jovem, focada no complemento das variadas terapias que as nossas crianças e jovens necessitam. Aproveitando os programas de estágio do Governo Regional da Madeira e da Ordem dos Psicólogos, congratulamo-nos por já dispor de profissionais nas áreas da terapia da fala, psicomotricidade e psicologia, que realizam sessões em que são trabalhadas as competências que as crianças e os jovens com perturbações do desenvolvimento e espetro do autismo necessitam. Porque pretendemos criar uma equipa experiente, já passamos à contratação da nossa primeira estagiária, a assistente social Dra. Sofia Erra, que se tornou Diretora Técnica da instituição e que dá apoio ao nível da assistência social, no sentido de acompanhar os pais, as crianças e os jovens. Desde a abertura da sua nova sede, a APPDA -Madeira tem tido diversas atividades e terapias, de destacar a criação das sessões de psicomotricidade em meio aquático com a colaboração da piscina do Colégio Salesianos do Funchal e o início do nosso ATL inclusivo, que tem vindo a decorrer desde o início de agosto e pretende ser uma ajuda aos pais sempre que estes o solicitarem nos períodos de interrupção letiva. A APPDA-Madeira gostaria de agradecer em especial a todos quantos colaboraram para o nascimento desta nova sede, desde a cedência do espaço, à disponibilização de mobília e material de escritório, etc. Agradecemos em especial às técnicas, aos familiares e aos amigos por toda a ajuda disponibilizada quer em termos materiais, quer em termos pessoais. Os próximos tempos são decisivos para levar adiante os nossos propósitos. Para tal, contamos mais uma vez com: a ajuda do nosso principal patrocinador o Sr. Rui Miguel e toda a equipa da Dima Madeira - Rainbow, que realizarão uma venda de rifas que se prolongará até meados de dezembro; a disponibilidade do Dr. Francisco Fernandes e da sua equipa em fazer reverter para a nossa associação os lucros da venda do e-book “Dinari e a Estrela d’Alva” e ainda o apoio da nossa madrinha e amiga a cantora Vânia Fernandes que, em coordenação com a Banda Recreio Camponês está a organizar um concerto verdadeiramente solidário no Casino da Madeira, no dia 12 de outubro. Mais uma vez agradecemos o incentivo de todos que acreditaram em nós e neste projeto, pelo que é fundamental que se divulgue o nosso trabalho, para que possamos ajudar o máximo de crianças e jovens. Acreditamos que este espaço é fundamental para complementar a oferta existente, pelo que agradecemos desde já que nos visitem, participem e nos ajudem, por exemplo, com a simples adesão a sócio. www.appda-madeira.webs.com www.facebook.com/appda.madeira http://www.leyaonline.com/pt/pesquisa/pesquisa.php?chave=Dinari A Grande Festa do Desporto Escolar Marco Freitas - Direção de Serviços do Desporto Escolar A edição de 2013 da Festa do Desporto Escolar e dos XXI Jogos Especiais da Madeira decorreu de 9 a 12 de abril. Esta iniciativa da Secretaria Regional da Educação e Recursos Humanos, numa organização da Direção de Serviços do Desporto Escolar, reuniu 7.674 alunos, desde o 1.º ciclo ao ensino secundário, e 750 crianças/jovens das instituições de Educação Especial que participaram em diversas modalidades, como andebol, atletismo, basquetebol, badminton, futsal, ginástica, judo, voleibol, ténis de mesa, natação, multiatividades e desporto de outdoor. Uma verdadeira festa que todos os anos se repete, naquela que constitui, sem qualquer dúvida, a maior manifestação desportiva acontecida na Região Autónoma da Madeira. Este ano, a cerimónia de abertura, realizada no Estádio dos Barreiros, voltou a ser majestosa, decorrendo sob o lema “Aprender com a Água”, com 1.800 alunos a desenvolverem uma coreografia rica em movimento, alegria e cor. Na componente competitiva, participaram cerca de 7.000 alunos. A Venezuela foi a única representação da comunidade madeirense a nível internacional, competindo na modalidade de natação. Por sua vez, a cerimónia de encerramento deste evento desportivo teve como anfiteatro a magnífica baía do Funchal já que, pela primeira vez, decorreu no Parque de Santa Catarina. Foi, sem sobra de dúvida, um final em beleza de uma magnífica festa do desporto madeirense! Festival da Canção Infantojuvenil da Madeira João Borges - Direção de Serviços de Educação Artística e Multimédia O Governo Regional da Madeira, através da Secretaria Regional da Educação e Recursos Humanos/Direção Regional de Educação, leva a efeito, desde o ano de 2012, o Festival da Canção Infantojuvenil da Madeira São inúmeras as canções inéditas que, ao longo de 30 anos de história, foram disponibilizadas a toda a comunidade infantil, marcando todos quantos vestiram “a pele” de compositor, autor e, em larga medida, de solista. Não obstante, e porque as mudanças se impõem e os desafios são nosso apanágio, considerou a organização que após trinta edições do evento, o formato deste Festival fosse ligeiramente alterado, alargando o âmbito de intervenção dos solistas, aos jovens entre os 13 e os 18 anos. Não foi objetivo, ao fim de 30 anos de Festival da Canção Infantil da Madeira, o de maior longevidade em Portugal, romper com a estrutura e formato deste Festival, mas sim dar continuidade ao projeto, introduzindo novos elementos que, no entender da organização, se redundam num complemento que vai valorizar o evento no seu todo e satisfazer a vontade, desde há muito, manifestada pelo público em geral e pelos jovens e autores em particular. Estamos convictos de que, pela dinâmica, pelas vivências e pelo papel da música em geral, o canto está cada vez mais associado às práticas do seu quotidiano. Neste sentido, sem sombra dúvida que este é um evento muito concorrido e por sua vez, com muita qualidade. Por outro lado, assume-se enquanto uma verdadeira “montra” para o surgimento de jovens autores e compositores que procuram oportunidades para “levar ao palco” algumas das suas criações, e este será, por ventura, um desses momentos. Assim, pretende-se com este Festival: - Estimular o gosto pela música; - Criar e divulgar temas musicais de natureza Infantojuvenil e promover o aparecimento de novos intérpretes; - Fomentar o aparecimento de novos autores e compositores; - Criar laços de amizade entre todos os participantes e sensibilizar a comunidade em geral para a importância da música na formação do indivíduo. A realização deste festival está a cargo da Direção Regional de Educação, através da Direção de Serviços de Educação Artística e Multimédia, contando com a produção da Associação Regional de Educação Artística e a colaboração da RTP/Madeira e outras entidades públicas e privadas. Aplicação educativa digital A Capoeira Ivone Milho, Márcia Azevedo e Sandra Olim - Núcleo das Tecnologias Educativas No passado dia 28 de junho, na Escola Básica do 1.º Ciclo com Pré-Escolar da Nazaré, decorreu o lançamento da aplicação educativa digital “A Capoeira”, enquadrada no segundo pacote temático “Animais da Quinta”, que reúne um conjunto de recursos educativos para a educação pré-escolar (textos informativos, imagens, histórias, jogos educativos, atividades e músicas), no âmbito do projeto Pré-Rom - Produção de conteúdos multimédia para a educação pré-escolar. O objetivo fundamental do projeto Pré-Rom é desenvolver e colocar à disposição de educadores de infância, pais e encarregados de educação aplicações educativas digitais que sirvam de suporte ao processo de ensino e aprendizagem, assente numa estratégia de inovação e qualidade na difusão do conhecimento. O enfoque do projeto está na construção de produtos multimédia interativos, enquadrados nas áreas de conteúdo da educação pré-escolar. O primeiro trabalho do pacote temático “Animais domésticos” foi publicado em 2008 (“O Cão”) e teve a colaboração do grupo Sá, Ecovet, Propet, Le Petz - Hotel das Mascotes, Lda. e SPAD Funchal - Sociedade Protetora dos Animais Domésticos. Em 2009, foi editada mais uma aplicação educativa digital (“O Gato”), que contou com a participação de diversos escritores de histórias infantis. De entre as várias histórias e rimas narradas, encontram-se incluídas uma rima em inglês e uma história inclusiva. O DVD contou com o apoio da clínica veterinária Ecovet; do canil e gatil Le Petz - Hotel das Mascotes, Lda.; da ECM - Edições Convite à Música; e com uma especial participação do então Gabinete Coordenador de Educação Artística, no que se refere à criação de músicas para a aplicação multimédia em questão. A aplicação multimédia “O Pássaro” foi lançada em 2010 e contou, pela primeira vez, com a colaboração de alunos de algumas escolas do 1.º ciclo do ensino básico com pré-escolar da Região Autónoma da Madeira (RAM), na elaboração de histórias, rimas e narrações, contando com o especial apoio da clínica veterinária Ecovet, do Jardim Botânico e da ECM - Edições Convite à Música. “O Peixe”, lançado em 2012, teve a participação de alunos de algumas escolas básicas do 1.º ciclo com pré-escolar da RAM, na criação de histórias, rimas, fotografias, músicas e narrações, e contou com o apoio do Aquário Municipal do Funchal. “A Capoeira” é a primeira aplicação educativa digital do pacote temático “Animais da Quinta”, produzida pela Direção Regional de Educação - Direção de Serviços de Investigação, Formação e Inovação Educacional, através de uma equipa de docentes do Núcleo das Tecnologias Educativas e com o contributo de alunos de seis estabelecimentos de ensino da RAM. Esta aplicação é constituída por textos informativos sobre a alimentação, a higiene e a saúde; histórias; rimas; imagens; jogos; músicas; propostas de atividades e fichas de trabalho referentes aos animais de capoeira: galinha, pato e peru. À semelhança das aplicações educativas digitais já editadas, “A Capoeira” encontra-se disponível para download no portal Pré-Rom (http://pre-rom.educatic.info), mediante registo no referido portal. Podem ser obtidas mais informações sobre o projeto no portal Pré-Rom http://pre-rom.educatic.info Plataforma PortefólioSRE Berta Bernardo e Emanuel Garcês - Núcleo das Tecnologias Educativas No dia 28 de junho de 2013, pelas 16h30, a Secretaria Regional de Educação e Recursos Humanos (SRE) apresentou a plataforma PortefólioSRE na Escola Básica do 1.º Ciclo com Pré-Escolar da Nazaré. Atualmente, com a integração das tecnologias no nosso dia a dia, a forma como aprendemos e como ensinamos sofreu múltiplas transformações. Neste contexto, a criação e desenvolvimento de portefólios pode constituir uma estratégia para promover as aprendizagens, através do registo do desenvolvimento pessoal e/ou profissional, sendo, ao mesmo tempo, um instrumento de avaliação para as aprendizagens dos alunos ou para o desenvolvimento profissional dos próprios docentes. Por estes motivos, a SRE desenvolveu uma plataforma que permite aos professores e aos alunos a criação de vários tipos de portefólios digitais. O PortefólioSRE apresenta múltiplas potencialidades e funcionalidades que, pelo seu caráter transversal, pode ser utilizado para diferentes áreas (curriculares ou não curriculares) e com diversas finalidades. A criação dos portefólios digitais tem como principal objetivo promover o desenvolvimento das capacidades de reflexão crítica sobre o trabalho efetuado e sobre o conhecimento realizado e adquirido. Podem ser consultadas mais informações sobre este projeto em http://portefolio.madeira-edu.pt II Exposição Arte nos Jardins do Concelho Luísa Moniz - Centro de Atividades Ocupacionais de Santa Cruz Todo e qualquer projeto pedagógico visa melhorar a eficácia da resposta educativa às necessidades e interesses de cada criança, jovem e adulto, assegurando, assim, que todos aprendam mais e de um modo mais significativo. Neste sentido, o projeto “Arte nos Jardins do Concelho” assume-se como uma proposta interativa, capaz de promover várias atividades que pretendem ir ao encontro das necessidades dos utentes, das suas expetativas e dos seus diferentes ritmos de aprendizagem. A principal característica da primavera é o reflorescimento da flora, sendo considerada a estação mais florida do ano. Esse período é marcado por belas paisagens formadas pela natureza, com uma grande diversidade de flores, razão pela qual o Centro de Atividades Ocupacionais de Santa Cruz organizou a II Exposição “Arte nos Jardins do Concelho”, expondo obras de arte nos jardins da Camacha. Esta iniciativa norteou-se pelos seguintes objetivos: - Promover a criatividade dos participantes, fomentando o prazer pela expressão artística; - Desenvolver o tema proposto numa perspetiva construtiva. Como metodologia utilizada recorreu-se à construção de flores e insetos com materiais reutilizados/reciclados. Com este projeto pretendeu-se comemorar a chegada da primavera, envolvendo todas as crianças e jovens das escolas do ensino básico e secundário, os jovens e adultos dos Centros de dia/comunitários do concelho de Santa Cruz e todos os jovens e adultos dos Centros de Atividades Ocupacionais da Região Autónoma da Madeira na construção de flores e insetos. Os Centros de Atividades Ocupacionais, do Serviço Técnico de Atividades Ocupacionais, desenvolvem atividades no sentido de promover a autonomia dos utentes, tornando-os ativos e dando contributos satisfatórios na comunidade a que pertencem. Através deste tipo de respostas ocupacionais promove-se, em última instância, a facilitação do exercício dos direitos de cidadania e a inclusão social. Desta feita, a exposição “Arte nos Jardins do Concelho” despertou interesse na comunidade, pela diversidade dos trabalhos com elevada qualidade e originalidade, dando uma nova vida a vários materiais reciclados e transformando os jardins da Camacha numa paisagem artística. Os resultados da iniciativa foram a beleza na chegada da primavera, muitos elogios e fotografias dos visitantes da comunidade, assim como dos turistas que visitaram a nossa bela Ilha.