Revista Diversidades n.º 26 Periodicidade trimestral Ano 7 Outubro, Novembro e Dezembro de 2009 Título: Mundo Aspie Índice Editorial Perscrutando a Síndrome de Asperger: Definição e Características A Intervenção do Centro de Desenvolvimento da Criança Asperger... Arte e Competência Comunicativa Aconselhamento Parental na Síndrome de Asperger Programa para o Treino das Competências Sociais Breves Apontamentos para um Percurso Escolar de Sucesso Asperger Adulto: E Agora? A Nutrição na Síndrome de Asperger A Sexualidade na Síndrome de Asperger Uma Associação em prol da Mudança de Atitudes “Desistir, nunca! Quem desiste, nunca chega lá!” Espaço Psi Espaço Opinião Espaço TIC Livros Legislação Notícias Ficha Técnica Directora: Maria José de Jesus camacho Redacção: Serviços da Direcção Regional de Educação Especial e Reabilitação e Colaboradores externos Revisão: Núcleo de Informação, Multimédia e Informática Morada: Rua D. João n.º 57 9054-510 Funchal Telefone: 291 705 860 Fax: 291 705 870 E-mail: revistadiversidades@madeira-edu.pt Grafismo e Paginação: Núcleo de Informação, Multimédia e Informática ISSN 1646-1819 Impressão: O Liberal, Empresa de Artes Gráficas, Lda. Tiragem: 1000 exemplares Distribuição: Gratuita Fotos: Direcção Regional de Educação Especial e Reabilitação/ Estúdio Quattro Editorial Maria José Camacho Directora Regional de Educação especial e Reabilitação O calendário relembra-nos que Dezembro está aí. Imersos no sentimento de recordação de um ano que se encerra e impelidos para a perspectiva para a perspectiva de um outro que é sonho e promessa de realizações, a Diversidades escolheu para este número a incursão serena na Síndrome de Asperger (SA). Nuno Lobo Antunes refere que “os professores deverão compreender que as crianças com SA têm um medo quase patológico do ridículo, por isso é reforçar a ideia de que o erro é essencial ao conhecimento e à experiência, e evitar situações que podem resultar em humilhação. O estilo de aprender, as características peculiares quanto à escrita, leitura e cálculo deverão estimular os professores, com ajuda de técnicos experientes, a desenvolver técnicas pedagógicas que potenciem as aptidões e não sublinhem, as dificuldades”. Começa a ser comum a referência ao “Mundo Aspie”. Enquanto cidadãos desse Mundo, o que os caracteriza? O que os distingue? Traços de personalidade, competências, peculiaridades, síndromes? A constância desta indelével transitoriedade leva-nos a acreditar, cada vez mais, na sinergia que deve ser colocada no respeito e acolhimento da sua singularidade, enquanto pilar fundamental de intervenção. Nos reflexos da sua imprevisibilidade, encontram o aconchego e o refúgio salutar nos outros e, por isso, precisam sentir-se compreendidos no seu saber estar, ser e agir e, simultaneamente, demandam que os aceitemos como são. Ser Aspie, ser… simplesmente ser… Não se trata dum mundo de uns e de outros, mas do Mundo que é de todos, com lugar para a igualdade na diferença. Reconheçamos e deixemo-nos desafiar pela originalidade intelectual e emocional das diversas formas de comunicação e relacionamento, sem resvalar para o proteccionismo exagerado, indiferença ou discriminação exclusiva. E, para assinalar o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, a Direcção Regional de Educação Especial e Reabilitação, com o lema “O meu querer… âncora do teu futuro”, organiza, de 3 a 10 de Dezembro, a Semana Regional da Pessoa com Necessidades Especiais. Do extenso programa de actividades destacam-se, de entre muitas outras: as tertúlias, o teatro inclusivo, as exposições, os concursos, as acções de sensibilização, o desporto adaptado…na afirmação suprema de que a inclusão é o reflexo das conquistas que a sociedade empreender, no sentido de um mundo acolhedor, autêntico, tolerante e solidário onde todos têm lugar. Artigos Percrutando a Síndrome de Asperger Definição e Características Miguel Palha – Centro de Desenvolvimento Infantil “Diferenças” A Síndrome de Asperger (SA) foi descrita, pela primeira vez, em 1920, por um Neurologista Russo - Schucharewa - como uma perturbação da personalidade do tipo esquizóide (grosseiramente, corresponde a um indivíduo que manifesta um padrão persistente de afastamento das relações sociais e uma paleta restrita da expressão emocional em situações interpessoais). Mais tarde, em 1944, Hans Asperger, um Pediatra Austríaco, relatou vários casos de “psicopatia autística infantil”. Em 1981, a pedopsiquiatra britânica L. Wing denominou esta perturbação como Síndrome de Asperger, em homenagem ao insigne pediatra vienense. Esta entidade faz parte das perturbações globais (ou pervasivas, do inglês pervasive, sem tradução consensual para português) do desenvolvimento e traduz-se por alterações concomitantes em duas áreas: comportamento social e interesses. Estudos epidemiológicos recentemente efectuados revelaram que a prevalência da SA na população geral poderá ser superior a 0,5%. Ao transpormos estes dados para Portugal, haverá, no nosso País, mais de 50.000 pessoas com esta perturbação. Verificou-se, também, que os indivíduos do sexo masculino são cerca de quatro vezes mais atingidos que os do sexo feminino. Foram propostos, por autores prestigiados, como Szatmari e Gillberg, e por entidades de reconhecido mérito, como a Organização Mundial de Saúde e a Associação Americana de Psiquiatria, conjuntos de critérios de diagnóstico. Destes, destacamos os critérios propostos pela Associação Americana de Psiquiatria, no seu sistema classificativo DSM-IV: 1. Alteração qualitativa da interacção social manifestada por, pelo menos, dois dos itens seguintes: 1.1. Alteração marcada de diversos comportamentos não-verbais, como, por exemplo, o contacto visual, a expressão facial, a postura corporal e os gestos que regulam a interacção social. 1.2. Incapacidades no desenvolvimento de relações sociais com colegas do mesmo nível desenvolvimental. 1.3. Menor procura da partilha do lazer, interesses ou aquisições com outras pessoas (não mostrar, não apontar objectos de interesse a outras pessoas). 1.4. Reciprocidade social e emocional pobres. 2. Padrões de comportamento, interesses e actividades repetitivos, restritos e estereotipados, manifestados por, pelo menos, um dos seguintes itens: 2.1. Preocupação absorvente com um ou mais padrões de interesses e actividades restritos e estereotipados, que é anormal na intensidade e como foco de atenção. 2.2. Aderência inflexível a rotinas ou a rituais específicos não funcionais. 2.3. Maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por exemplo, estalar ou rodar os dedos, movimentos corporais complexos, etc...). 2.4. Persistente preocupação com partes de objectos. 3. Esta perturbação causa alterações importantes no relacionamento social, ocupacional e outras áreas funcionais. 4. Não existe um atraso significativo da linguagem. 5. Não existe um atraso significativo no desenvolvimento cognitivo ou na aquisição das funções adaptativas, da autonomia ou da curiosidade relativa ao ambiente. 6. Estas manifestações não se enquadram melhor nos critérios de diagnóstico de outra perturbação pervasiva do desenvolvimento ou da esquizofrenia. Para considerarmos os critérios anteriormente enunciados como positivos, devemos ter sempre em mente como padrão para comparação, os comportamentos das crianças ou adolescentes da mesma idade com um desenvolvimento convencional. Convém sublinhar que cada criança ou adolescente só manifestará (muitas vezes poucos e subtis) alguns dos comportamentos adiante expostos. Vamos, então, dar alguns exemplos. Geralmente, o contacto ocular com o interlocutor é evitante (fugaz, fruste, escasso ou pouco intenso, traduzido, na opinião dos familiares, por “não olha para os outros ou desvia o olhar”). Amiúde, são notados gestos, tiques ou mímicas faciais bizarros (peculiares, estranhos). Em alguns casos, está descrita uma fixação intensa no interlocutor. Os gestos poderão ser desajeitados ou estranho. Com frequência, a expressão facial é pobre e, por vezes, aproximam-se demasiado do interlocutor. Menos frequentemente, andam aos encontrões às pessoas e aos móveis. As crianças com SA podem demonstrar uma evidente inabilidade no relacionamento com os colegas. Por vezes, há mesmo uma falta de desejo para interagir com os pares e para fazer amizades. Frequentemente, manifestam razoável intencionalidade comunicativa, mas não conseguem manter ou gerir adequadamente as relações. Recorrentemente, têm dificuldade na apreciação e na valorização das deixas sociais e dos sentimentos dos outros (podem não valorizar os sinais de desagrado, impaciência, irritação, tristeza, alegria, aprovação, dos interlocutores). Não raramente, isolam-se ou brincam sozinhos (vão para a biblioteca, para a sala de informática...). Muitas vezes, embora estejam interessados, não participam activamente nos jogos, desportos ou brincadeiras (cartas, monopólio, futebol...) e preferem assumir um papel passivo, de observador. Com frequência, não gostam de jogos de competição. Geralmente, não têm grandes amigos ou têm um círculo excessivamente restrito de amizades. São, na maior parte das vezes, indiferentes às influências dos colegas (moda, jogos...) e não trazem objectos para trocar (cromos, berlindes...). Gostam de estar ou de brincar com as crianças mais novas ou com as mais velhas e menos com as da mesma idade. Não raramente, os colegas não gostam de brincar com eles (afastam-se, evitam-nos...), por razões que se prendem, na maioria das vezes, com a imposição de regras peculiares, não convencionais, durante os jogos (gostam que se brinque de uma determinada maneira). Com frequência, são inconvenientes. Têm, geralmente, dificuldades na interiorização das regras sociais, mas uma vez apreendidas cumprem-nas com rigidez exagerada. Tem sido referido, algumas vezes, um comportamento curioso e peculiar: a interrupção inapropriada e muito frequente das actividades dos adultos, designadamente dos professores no ambiente da sala de aula (por exemplo, podem interromper o professor, durante a apresentação da matéria, umas trinta vezes em cinco minutos). Parecem esperar que os outros saibam os seus sentimentos. Por vezes, são descritos como excessivamente calados; outras vezes, como particularmente faladores. Frequentemente, são descritos comportamentos excêntricos (extravagantes, bizarros ou peculiares) na sala de aula (no recreio, igreja, lojas, restaurantes ou na rua, etc.). Os familiares, sobretudo os pais, descrevem, com frequência, um relacionamento mais frio (distante, seco) com as pessoas que lhes estão próximas. De um modo geral, gostam de festas de anos, mas, muitas vezes, arranjam conflitos ou desentendimentos com os pares e, não raras vezes, são observados, pouco tempo depois, a brincar sozinhos, isolados. Um número significativo não gosta de contacto físico. Muitas das crianças com SA são descritas como tendo um comportamento social e emocional inapropriado (ou peculiar, bizarro, estranho, idiossincrático, diferente, excêntrico, extravagante…), apresentando dificuldades na expressão das emoções (não mostram, de uma forma nítida, a alegria, a tristeza, a irritação... e, com uma frequência muito aumentada, sobretudo antes dos cinco anos de idade, fazem birras injustificadas, desproporcionadas e repetidas). Em alguns casos, de uma forma espontânea, não gostam ou não querem que os adultos brinquem com ele (ao contrário da maioria das crianças com desenvolvimento convencional que apreciam estas deferências dos adultos). Muito frequentemente, as crianças com SA apresentam um grande fascínio por movimentos, sobretudo repetitivos: da máquina de lavar roupa, das ventoinhas, dos pêndulos, das hélices dos aviões, dos gira-discos, do ondular dos lençóis ou de sacos de plástico no estendal, dos insectos voadores…Também, recorrentemente, mostram uma elevada atracção por luzes e por objectos brilhantes: luzes intermitentes, rotativos das ambulâncias, faróis, espelhos, superfícies brilhantes. Em muitos casos, encontra--se ainda descrito um interesse por números e por ordenações numéricas: horários, mapas, tabuadas, fórmulas químicas, contagens de palavras ou outras, datas de aniversários, etc. Algumas vezes, são motivados por desenhos e símbolos gráficos repetidos: bolas, objectos, nomes próprios, entre outros. Por vezes, os familiares referem que eles têm um espírito coleccionador, interessando-se por enciclopédias, jogos electrónicos, máquinas de calcular, relógios, etc., sempre de uma forma desproporcionada relativamente ao esperado para as crianças ou adolescentes da mesma idade. Em poucos casos, tem sido referido um “zapping” televisivo permanente, repetido e excessivamente intenso (podendo gastar as pilhas do comando num só dia). Um comportamento muito característico consiste no alinhamento de objectos, amiúde milimétrico, por vezes segundo determinada ordem e sem qualquer justificação prática (carros, molas da roupa, cadeiras, cromos...). Uma das mais interessantes e prevalentes características comportamentais corresponde ao excepcional fascínio por determinados temas (marcas de carros, abelhas, lagartixas, vacas, matrículas, sinais de trânsito, carreiras e trajectos de autocarros, comboios, prazos de validade de produtos industriais, mangueiras de rega, sopas de letras, puzzles, arquipélagos, pontes, pedras, espermatozóides, conchas, filmes de terror, vulcões, tesouras, esmagadores de alhos, vídeos, etc.) ou eventos (Expo 98, Mundial de Futebol de 2004, actos terroristas, catástrofes naturais, grandes acidentes, entre outros), com evocação frequente e recorrente dos mesmos. Abaixo dos cinco anos, sobretudo, está referido, em muitos casos, um deslumbramento incontrolável pelo acto de folhear livros e revistas, sem aparente preocupação com os conteúdos dos mesmos. Com frequência, apresentam um interesse intenso por uma história particular (tendo a história de ser contada sempre da mesma maneira e com as mesmas palavras) ou por um determinado vídeo (são capazes de o passar repetidamente no mesmo dia ou, em alguns casos, de ver, vezes sem fim, a mesma cena). Em muitos casos, há um grande fascínio por anúncios de televisão. Como expressão de actividades repetitivas, algumas crianças abrem e fecham a porta repetidamente, de forma rítmica. Em raros casos, foram descritos recortes milimétricos com a tesoura. Outra das características comportamentais típicas da SA refere-se às rotinas ou rituais rígidos, de que são meros exemplos: sentar-se sempre no mesmo sítio, colocar o casaco no mesmo cabide, mudar o pijama no mesmo dia da semana, tomar banho em determinado dia ou hora, lavar os dentes em determinada hora e posição, ir sempre pelo mesmo caminho para a escola, arrumar o livro ou a cadeira no mesmo sítio, ter de fechar sempre a porta, comer os alimentos por uma determinada ordem, comer só na presença de determinados objectos ou utensílios, transportar, sempre, determinado brinquedo, dar uma determinada ordem aos objectos escolares, etc. Por outro lado, podem elaborar rotinas complexas ou rituais que têm de ser cumpridos, como o alinhamento de determinados brinquedos antes de irem para a cama, entre outros. Comummente, sentem uma grande ansiedade pela mudança de rotinas. Uma manifestação comportamental muito prevalente, por vezes algo subtil, corresponde às estereotipias motoras e vocais (movimentos ou sons repetidos, rítmicos, por vezes confundidos com tiques). São exemplos: “flapping” (abanar) das mãos; andar à roda; correr em círculo; balanceamentos; maneirismos com os dedos; gesticular com os dedos; sapateado; movimentos tipo masturbatórios; abanar a cabeça; movimentos tipo nadar em “crawl”; meter as mãos nas orelhas; enrolar o próprio cabelo ou de outro; rodar objectos (rodas dos carros, lápis, bolas,...); correr sem sentido; torcer objectos; andar em bicos de pés; imitar os sons de animais ou de máquinas; imitar as vozes dos desenhos animados; movimentos dos globos oculares; puxar as orelhas; movimentos como lavar as mãos; etc. Com menos frequência, apresentam um interesse intenso por partes de objectos: pontas de lápis; tampas de esferográficas, peças de lego; pedaços de cordas; pedaços de giz; rolinhos de papel higiénico, entre outros. Por vezes, trazem inúmeros objectos nos bolsos. Em consequência da sua inabilidade social, frequentar a escola ou uma associação desportiva, pode tornar-se extremamente penoso. Muitas vezes, devido aos seus comportamentos, são objecto de discriminação por parte das outras crianças. Relativamente ao desenvolvimento da linguagem, verifica-se que, numa grande proporção, há um atraso. Todavia, pelos cinco anos, a linguagem não apresenta, numa perspectiva formal, grandes desvios da normalidade. São comuns conversas sem nexo, sem sentido, desajustadas dos temas evocados (correspondem a perturbações semântico-pragmáticas). A prosódia (entoação) poderá ser bizarra, peculiar, estranha, pedante ou excêntrica, com um timbre, um ritmo ou uma entoação invulgares, em regra monótona, com precisão excessiva de cada sílaba. Com grande frequência, fazem uma utilização tardia ou não utilização dos pronomes pessoais. É referido, muitas vezes, um discurso repetitivo ou a repetição de palavras ou frases. Não raramente, fazem uma interpretação literal das frases e das expressões idiomáticas (podem ficar confundidos com expressões como “o rei vai nu”, “os olhos também comem” ou “ter o rei na barriga”). Amiúde, manifestam dificuldades na compreensão verbal. Em mais de metade dos casos, há sérias dificuldades de aprendizagem da leitura, da escrita e, menos frequentemente, do cálculo. Num bom número de casos, estão descritas grandes facilidades ou maiores facilidades e interesse por números (algumas crianças conseguem verdadeiros prodígios com os números e são, por isso, apodadas de génios). A larga maioria apresenta uma boa memória visual. De entre os problemas associados, há que sublinhar, pela sua frequência, a hiperactividade. Os medos excessivos e injustificados (sons altos, determinada música, visão de certos objectos...) são também muito prevalentes. Algumas crianças cheiram objectos de uma forma indiscriminada. Outras apresentam uma marcada insensibilidade à dor. Frequentemente, é descrito um desajeitamento motor (menor habilidade para jogar à bola, má caligrafia...). A SA, de um ponto de vista nosológico, pertence ao espectro do autismo. Torna-se difícil, em alguns casos, distinguir esta síndrome das formas de autismo com elevado funcionamento. Todavia, um bom funcionamento cognitivo, associado a uma linguagem formalmente adequada, ajudam a formular o diagnóstico de SA. Em relação ao desenvolvimento nos três primeiros anos de vida não há unanimidade: alguns autores defendem que é convencional (ICD-10 e DMS-IV), enquanto outros (Wing, Gillberg e o próprio Asperger) referem que, ao nível de linguagem e da comunicação, já existem alterações nos primeiros anos de vida. Geralmente, a idade média do diagnóstico da SA é entre os seis e os oito anos, dado que, nesta altura, as características comportamentais desta perturbação são melhor avaliadas. Alguns casos recebem, na idade pré-escolar, o diagnóstico de autismo, mas, posteriormente, pode assistir-se a uma melhoria significativa das capacidades linguísticas e da comunicação, o que dará azo a uma reformulação do diagnóstico e a uma reclassificação como síndrome de Asperger. Em relação à presença de factores hereditários nesta síndrome, foram realizados, até à data, poucos estudos com amostras significativas, pelo que não há resultados concludentes. Alguns estudos de casos familiares e a prática clínica parecem evidenciar um traço hereditário comum entre o autismo e a SA. Assim, foram referidos casos de fratrias em que coexistiam o autismo clássico e a SA. Parece existir uma maior prevalência de epilepsia nas crianças, adolescentes e adultos com esta problemática. Também existe uma co-morbilidade aumentada com a perturbação da hiperactividade com défice de atenção e com a dislexia. Ocasionalmente, pode também estar associada à síndrome do X frágil, à esclerose tuberosa, à neurofibromatose, ao hipotiroidismo, à síndrome de Marfan, à distrofia miotónica de Steinert, à síndrome fetal alcoólica e ao coloboma do olho. É também referido, na literatura da especialidade, que os problemas perinatais graves estão mais frequentemente relacionados (e, quiçá, causadores ou intervenientes na patogenia) com esta entidade nosológica. Em estudos imagiológicos, efectuados em diversos doentes com esta patologia, foram encontradas lesões cerebrais unilaterais, especialmente nas áreas pré-frontal e temporal. Como exames complementares para encontrar uma base orgânica da doença ou outras doenças associadas, podem ser realizados cariótipo, função tiroideia e ressonância magnética. A intervenção nesta perturbação do desenvolvimento passa pela informação aos pais, aos educadores e ao próprio. Mas assenta, muito especialmente, na promoção do respeito pelas diferenças. Em casa, deve manter-se uma grande interacção com a criança, incentivando-a a ter mais do que um interesse e promovendo a relação com os seus pares (fazendo convites para um convívio em casa, por exemplo). Na escola, deve motivar-se a criança para os trabalhos em grupo e para os jogos, executando-se, concomitantemente, e se necessário, uma intervenção pedagógica específica (treino da consciência fonológica, por exemplo). Devem fomentar-se as actividades extracurriculares de carácter lúdico, por forma a promover o aumento da tolerância social e a facilitação do processo de inclusão (inscrevendo-a num grupo de escuteiros, por exemplo). Não raramente, pode ser necessária uma intervenção psicológica do tipo cognitivo-comportamental. No caso de ser referido, simultaneamente, humor depressivo ou manifestações obsessivo-compulsivas, poderá estar indicado o uso de determinados fármacos (inibidores selectivos da recaptação da serotonina, mais precisamente). O prognóstico é, em geral, favorável. Parece haver uma melhoria com o avançar da idade. A maioria dos adultos com a SA virá a ter uma vida convencional (com alguns comportamentos excêntricos ou peculiares, é certo). Alguns adolescentes ou adultos virão a necessitar de acompanhamento psiquiátrico (sendo, então, diagnosticadas perturbações paranóides, esquizóides, depressivas, obsessivo-compulsivas ou, mesmo, estados-limite da personalidade). Outros serão rotulados, pela sociedade, como geniais, estranhos, originais, excêntricos ou extravagantes. São exemplos dessa genialidade personalidades como Béla Bártok, Ludwig Wittgenstein ou Albert Einstein. A Intervenção do Centro de Desenvolvimento da Criança Ana Marques e Luísa Lemos Gomes - Centro de Desenvolvimento da Criança O Centro de Desenvolvimento da Criança (CDC) tem como missão o atendimento a crianças entre os zero e os cinco anos com ou em risco de atraso no desenvolvimento. A avaliação e intervenção são efectuadas por uma equipa multidisciplinar, da qual fazem parte três médicas, três enfermeiras, uma educadora, três terapeutas (fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e terapeuta da fala) e duas psicólogas. O processo de intervenção inicia-se com a realização de uma entrevista de enfermagem, seguida de uma reunião de equipa e posterior elaboração de um plano de avaliação (médico, psicológico, educativo e terapêutico). Os dados obtidos são integrados, analisados e discutidos em equipa e é atribuído um diagnóstico de desenvolvimento (diagnóstico de entrada) e elaborado um plano de intervenção. A alta da intervenção é dada quando os objectivos terapêuticos são atingidos, quando a intervenção necessária tem de ser efectuada noutra instituição ou quando a criança atinge os 6 anos de idade e, embora continuando com dificuldades, tem de ser encaminhada para outro serviço. Nesta última situação, é efectuada uma reavaliação e é atribuído um «diagnóstico de saída». Temos, assim, um «diagnóstico de entrada», directamente relacionado com o plano de intervenção e, muitas vezes, um «diagnóstico de saída», que acompanha e justifica a transferência para outra equipa técnica, que seguirá a criança na idade escolar. O Diagnóstico da Síndrome de Asperger As crianças diagnosticadas no CDC com Síndrome de Asperger (SA) foram sinalizadas por atraso na linguagem, isolamento, alterações do comportamento e/ou dificuldades de integração na creche ou no jardim-de-infância. À data da avaliação e início da intervenção tinham entre 18 e 36 meses e, por esta razão, o diagnóstico de desenvolvimento foi efectuado segundo os critérios da DC: 0-3 R Classificação Diagnóstica de Perturbações de Saúde Mental e Perturbações do Desenvolvimento da Primeira Infância (2005). Attwood (2006), no seu livro sobre esta Síndrome, refere que “A investigação mais recente indica os oito anos como sendo a idade média para o diagnóstico” e Hermínia Prado Godoy (1998), numa revisão bibliográfica realizada sobre este tema, afirma que “A Síndrome de Asperger só pode ser diagnosticada no período escolar enquanto o autismo pode ser detectado segundo alguns autores já aos 18 meses e diagnosticado aos 30 meses de idade”. As crianças com SA (diagnóstico de saída) foram diagnosticadas, aos 5/6 anos, no início do processo de intervenção com o «diagnóstico de entrada» de Perturbação da Relação e da Comunicação ou com o diagnóstico de Perturbação Regulatória do Processamento Sensorial (DC: 0-3 R, 2005). De acordo com a referida classificação, a criança com Perturbação da Relação e da Comunicação apresenta dificuldades significativas em formar e manter um relacionamento emocional e social com um cuidador primário, dificuldades significativas na formação, manutenção ou desenvolvimento da comunicação e dificuldades no processamento sensorial e no planeamento motor (DC: 0-3 R, 2005). O diagnóstico de Perturbação Regulatória do Processamento Sensorial é atribuído quando a criança evidencia dificuldades em regular o comportamento e os processos fisiológicos, sensoriais, de atenção, motores ou afectivos e em organizar um estado de alerta calmo. Estas dificuldades interferem com a capacidade da criança interagir, adaptar-se e aprender e têm uma base constitucional ou maturacional (DC: 0-3 R, 2005). A Intervenção Terapêutica O DIR é o modelo de intervenção seguido pela equipa do CDC em crianças com Perturbação da Relação e da Comunicação e com Perturbação Regulatória do Processamento Sensorial, que se baseia no Desenvolvimento, nas Diferenças Individuais e na Relação. Foi elaborado por Stanley Greenspan (Pedopsiquiatra) e por Serena Wilder (Psicóloga Clínica) e tem como principal objectivo levar a criança a adquirir as competências emocionais não adquiridas nos primeiros meses e que dificultam o seu processo de aprendizagem e de desenvolvimento. Quer na fase de avaliação, quer no processo de intervenção é sempre valorizado o desenvolvimento emocional/funcional da criança (capacidade de atenção, envolvimento emocional, intencionalidade interactiva, elaboração e diferenciação representativa), as suas diferenças individuais no processamento da informação sensorial, no tónus muscular e no planeamento motor e a importância fundamental da relação na aprendizagem. A intervenção segundo o modelo DIR pode e deve decorrer a par de uma intervenção educativa, sempre com o envolvimento dos pais e complementada com intervenções terapêuticas específicas, tais como a Terapia Ocupacional (integração sensorial) e a Terapia de Fala. O «Floortime», explicitado seguidamente, é uma técnica de intervenção central neste modelo. O Floortime Esta técnica de intervenção utiliza o jogo, acompanha o interesse da criança e, tendo em conta o seu perfil de reactividade sensorial e o seu nível de desenvolvimento, organiza um contexto relacional onde a mesma consegue estar auto-regulada e envolvida em interacções emocionalmente significativas que permitem a aprendizagem de competências essenciais na área da relação, da comunicação e do pensamento (Greenspan, 2007). Neste «espaço interactivo», adequado às características individuais da criança, é possível ajudá-la a aprender a atender ao outro, a envolver-se num diálogo, a tomar a iniciativa, a agir para resolver problemas, a expressar as suas emoções ou intenções e a compreender conceitos de causalidade e lógica. É fundamental conhecer os factores que interferem positiva ou negativamente com a criança, ou seja, temos de conhecer quais são os estímulos que facilitam a ocorrência de comportamentos mais adequados e quais os que prejudicam a capacidade da criança estar auto-regulada e em interacção (Greenspan, 2005). Este conhecimento é partilhado com os pais, que também são orientados a aplicar o floortime em casa. No CDC, estas sessões são realizadas pela educadora e pela psicóloga. A Intervenção da Terapia Ocupacional É uma terapia que intervém ao nível das capacidades de processamento sensorial prejudicadas, assim como para a intervenção ao nível do tónus muscular, planeamento motor e coordenação perceptivo-motora. A criança envolve-se em actividades interessantes que lhe proporcionam a estimulação adequada em qualidade, intensidade e duração. A intervenção ajuda-a a processar os seus sentidos de forma a funcionarem em conjunto. A Intervenção da Terapia da Fala O SA apresenta desvios significativos e anormalidades nas áreas do relacionamento social, uso da linguagem para a comunicação e certas características de comportamento e estilo, que envolvem repetições ou perseverações sobre um número limitado, porém intenso, de interesses e estereotipias. Encontram-se factores semelhantes ao que acontece no autismo, mas sem défices cognitivos, nem atrasos no desenvolvimento da linguagem, embora possuam características peculiares, com alteração verbal e não-verbal (Batista 2002; Fernandes 2000). Batista (2002) e Lopes (2000) apontam os distúrbios da comunicação verbal e não-verbal como características da SA, uma vez que estes indivíduos parecem não utilizar a linguagem dentro do processo comunicativo sócio-interaccional, mas como objecto, com um fim em si mesmo. Apresentam um campo limitado e peculiar de interesses, dedicando-se a assuntos não usuais ao seu grupo etário e utilizando a excelente capacidade de memória que possuem. Por vezes, apresentam uma fala pedante, desde o início das suas manifestações verbais, com o uso de palavras difíceis, tom falso e pouco espontâneo (alterações ao nível da melodia e prosódia). Tais características são demonstradas pelas dificuldades em criar um discurso coeso e contextualizado e em iniciar e manter turnos e tópicos na conversação. Segundo os estudos de Fernandes (2000) e Lopes (2000), a compreensão destes indivíduos como um todo pode estar comprometida, já que a tendência é compreenderem o que lhes é dito de maneira literal, não conseguindo abstrair o conteúdo metafórico ou o duplo sentido das expressões. Existe, portanto, uma disparidade entre o uso que estes indivíduos fazem de vocabulários pouco usuais, a idade cronológica e a dificuldade de entendimento de palavras e expressões de uso incomum. Uma criança com SA quando avaliada no seu aspecto pregmático consegue estabelecer um compromisso conversacional por tempo limitado, distraindo-se e modificando, constantemente, o foco da conversação para temas divergentes, na maioria das vezes de interesse pessoal, e também por tempo restrito, isto segundo pesquisas de Batista (2002) e Limongi (2003). É observada igualmente a grande necessidade da criança em estabelecer alguma actividade linguística quando o silêncio se torna presente, porém, fá-lo com conteúdos de baixa coesão. Quanto às habilidades conversacionais, é importante ressaltar a presença de características peculiares na voz, como entoação exacerbada, velocidade de discurso aumentada, altura tonal muitas vezes exagerada e sensação de voz robotizada (Batista 2002). Além de apresentarem nos seus discursos uma fala pedante com uso de palavras e expressões descontextualizadas, chegando à estereotipia e ao jargão. Segundo Batista (2002), é possível observar o uso assistemático de pronomes pessoais, possessivos, interrogativos, demonstrativos e indefinidos, o que torna a fala mais cansativa e estereotipada. Em relação às habilidades não-verbais, os gestos simbólicos são poucos utilizados por estas crianças, apresentam pouca mímica facial, muitas vezes não realizando expressões faciais marcantes em momentos distintos e parecem não entender mímicas e expressões faciais das outras pessoas (Fernandes, 2000). Para além disso, apresentam grande dificuldade em comunicar com o olhar, mantendo pouco ou quase nenhum contacto visual com o interlocutor. Características estas que dificultam ainda mais o estabelecimento de uma comunicação positiva e interactiva (Batista, 2002). O acompanhamento da terapia da fala nestes casos é de suma importância para o desenvolvimento mais próximo do considerado normal da linguagem e da comunicação destes indivíduos. A obtenção de dados objectivos com a família sobre a comunicação e a interacção da criança permite ao profissional identificar progressos a curto prazo ou a delineação de procedimentos alternativos. A partir desses dados e da própria avaliação do profissional, com os meios necessários para isso, é construído o perfil comunicativo da criança, o que facilita todo processo terapêutico, sem deixar de dar atenção aos aspectos subjectivos também envolvidos neste processo. Conclusão Com o crescimento da criança e com a continuidade da intervenção terapêutica tornam-se mais evidentes as dificuldades e os padrões comportamentais que caracterizam o diagnóstico de uma perturbação de SA. O diagnóstico diferencial também pode ser efectuado com mais precisão. A reavaliação do caso é efectuada com a colaboração dos pais e da escola, sendo aplicados escalas e testes específicos e os dados obtidos são discutidos em equipa. Chegados a um diagnóstico de SA, organiza-se um plano de intervenção para a fase escolar que, como já foi mencionado, passa pelo encaminhamento da criança para outro serviço. Na fase de alta do CDC, as terapias são progressivamente espaçadas, é feita uma reunião com os pais e um contacto directo com, pelo menos, um técnico da equipa que seguirá a criança. Habitualmente, a continuidade da intervenção fica assegurada pela Psicóloga da futura escola, pela equipa da Direcção Regional de Educação Especial e Reabilitação e/ou pelo Serviço de Pedopsiquiatria, de acordo com as especificidades do caso em questão. Bibliografia: American Psychiatric Association. (1994). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4.ª ed. Washington, DC: Autores. Carol Stock Kranowitz, M. A. (2005), The Out-of-Sync Child, Skylight Press Book U.S.A. Diagnostic Classification of Mental Healt and Developmental Disorders of InfancY and Early Childhood: REVISED EDITION (2005). Zero to Three PRESS, Washington, D.C. Síndrome de Asperger: Revisão Bibliográfica. (1998). [on-line]. Disponível no URL: http: //www.apsa.org.pt/ Stanley I., Greenspan, M. D., Serena Wieder, P.H.D. (2006). Engaging Autism, U.S.A Da Capo Press. Tony, A. (2006). A Sindroma de Asperger. Lisboa: Editorial Verbo. Val C., Julian L. & Gill S. (2006). Compreender a Síndrome de Asperger. Porto: Porto Editora. Web-Based Rádio Showano. Asperger Syndrome. (2007). [on-line]. Disponível no URL: http://:www.zerototrhee.com/ Val C., Julian L. & Gill S. (2006). Compreender a Síndrome de Asperger. Porto: Porto Editora. Web-Based Rádio Showano. Asperger Syndrome. (2007). [on-line]. Disponível no URL: http://:www.zerototrhee.com/ Asperger… Arte e Competência Comunicativa Isabel Figueiredo - Externato das Escravas do Sagrado Coração de Jesus Na nossa língua, construímos sonhos e projectamos ideias, exprimimos dúvidas e construímos saberes. Com ela nos afirmamos e identificamos. Com a nossa língua comunicamos com os outros e identificamos o que nos rodeia. Comunicamos, de forma eficiente ou capaz, quando dominamos conhecimentos extra-linguísticos e contextuais. Assim, quando nos referimos a “competência comunicativa”, entendemos a capacidade de seleccionar as formas linguísticas adequadas ou apropriadas a cada situação: quando falar, sobre o que falar, com quem, onde e de que modo. Estes aspectos revestem-se de uma importância particular no que diz respeito à competência comunicativa da criança com Síndrome de Asperger (SA). Muito embora a fonologia e a sintaxe sejam adquiridas dentro de padrões idênticos aos das outras crianças, as diferenças verificam-se em áreas específicas da pragmática, isto é, no uso da linguagem em contexto social, da semântica e da prosódia que vão revelar a necessidade da criança “aprender a arte de falar” (Attwood, 1998). O conhecimento funcional e sociolinguístico está em défice nas crianças com SA e é precisamente este campo que merece a nossa atenção em especial, sobretudo quando queremos intervir na competência comunicativa destas crianças. Se analisarmos os critérios presentes no DSM-IV, verificamos que “Não existe um atraso clinicamente significativo da linguagem”. Contudo, segundo Attwood (1998), verifica-se um comprometimento de determinadas competência linguísticas, com maior incidência na área da pragmática. As crianças com SA costumam ter boas capacidades linguísticas, incluindo um bom vocabulário e o domínio de estruturas gramaticais complexas. No entanto, estas capacidades são superficiais e disfarçam as dificuldades de comunicação efectivas. Para Cummine et al (1998), a intervenção deve começar ao nível da comunicação da criança e não ao nível da linguagem. O objectivo da intervenção é criar um ambiente que ajude as crianças a desenvolverem a intenção comunicativa, tanto verbal como não verbal, desenvolver a capacidade da criança para iniciar e manter uma conversa e aperfeiçoar a compreensão do significado por parte da mesma. Então, neste ponto, a Arte mostra ser um espaço riquíssimo, por vezes desaproveitado, que em muito pode ajudar a promover as áreas em défice relacionadas com a competência comunicativa da criança com SA que, como sabemos, estão relacionadas com a utilização social da linguagem (pragmática) e com a capacidade de transmitir e compreender significado (semântica). Novos movimentos artísticos têm mostrado o papel que as artes podem ter no combate ao abandono e insucesso escolares, na integração de crianças imigrantes ou como função terapêutica para algumas crianças, nomeadamente, as que são objecto de estudo neste artigo, pertencentes ao espectro do autismo. A abordagem psicológica denominada arte-terapia, por exemplo, é a que utiliza, essencialmente, as técnicas expressivas verbais e não-verbais e os recursos artísticos com uma finalidade terapêutica. A pintura, o desenho e toda a expressão plástica, bem como a música, a dança, a expressão corporal e dramática formam um instrumento valioso para o indivíduo organizar a sua ordem interna e, ao mesmo tempo, reconstruir a realidade, em qualquer situação, e, mais concretamente, no caso das crianças com SA. Assim, “O uso da arte como terapia implica que o processo criativo pode ser um meio tanto de reconciliar conflitos emocionais, como de facilitar a auto-percepção e o desenvolvimento pessoal” (American Art Therapy Association, 1991). As linguagens plásticas, poéticas e musicais, entre outras, podem ser mais adequadas à expressão e elaboração do que é apenas vislumbrado, ou seja, esta complexidade implica a apreensão simultânea de vários aspectos da realidade. “Pelo surpreendente grau de expressão e de invenção, a Arte Psicopatológica é observada e coleccionada por médicos e estudiosos, que não só vêem nela sintomas de recuperação e cura como até admitem ser a criatividade a maior manifestação de saúde mental” (Rodrigues, 2002, p.174). Paul McCartney, ex-Beatle, diz que a música é capaz de curar. Ele verificou numa das suas visitas a um hospital que realiza tratamento de autistas que estes respondiam quando se dedilhava algo na viola. Sabe-se que estes indivíduos respondem muito pouco a estímulos externos, de acordo com o grau de autismo. Consideramos, então, que é importante que a criança explore as suas emoções e sensações pessoais, precisamente para potenciar diferentes formas de expressão. Ao valorizar a criança como um ser humano, com características específicas e detentora de um meio próprio de se expressar, a arte infantil, por exemplo, assume-se como um meio de expressão peculiar. A “qualidade infantil” das obras das crianças, nomeadamente das crianças com SA, podem indicar uma visão do mundo que as rodeia e que lhes é própria, correspondendo a um modo de expressão dos seus sentimentos, emoções e sensações. Então, partindo do princípio de que toda a criança, de um modo geral, possui um poder inato de criar, caberá à escola aproveitar esse poder e potenciá-lo, não esquecendo que a arte ou as artes podem ser objecto de estudo, matéria a estudar, como podem e devem ser vistas como desempenhando “um papel instrumental para a aprendizagem de outras disciplinas, quer para melhorar a compreensão dos respectivos conteúdos através da utilização de elementos visuais, da música, ou das artes performativas, quer para contribuir para uma melhor adaptação a diferentes estilos de aprendizagem” (Matos, 2008, p.28). Carol Gray, por exemplo, desenvolveu, em 1994, “As conversas em Banda Desenhada” que consistem numa forma de representação pictórica dos diferentes níveis de comunicação que ocorrem durante uma conversa: recorre ao uso de rabiscos, a balões de fala ou de pensamento, a símbolos e cores que permitam à criança perceber certos aspectos que dizem respeito ao acto de comunicar e que esta não interiorizou. Os balões de diálogo podem ser desenhados de forma a transmitirem diferentes emoções e podem usar-se cores que traduzam diferentes tons de voz, ou que as levem a compreender que, numa situação, cada um de nós pode ter pensamentos e sentimentos diferentes. Isto porque Carol Gray descobriu que “as crianças partem frequentemente do princípio de que a outra pessoa está a pensar exactamente o que elas estão a pensar ou que a outra pessoa está a pensar exactamente aquilo que elas disseram” (Attwood, 1988, p.81). “As Conversas em Banda Desenhada”, de Carol Gray, constituem uma forma de representação gráfica que podem ajudar a promover a competência comunicativa da crinça com SA. É também importante dar lugar à expressão dramática pelo contributo inegável que pode ter neste processo de intervenção. Tendo em consideração os aspectos afectivo/sociais, cognitivo/linguísticos e psicomotores de desenvolvimento, a expressão dramática é uma prática que põe em acção a totalidade da pessoa, favorecendo o desenvolvimento e uma aprendizagem global (cognitiva, afectiva, sensorial, motora e estética).Neste sentido, contribui para a finalidade geral da educação que é o desenvolvimento global da personalidade e, aliada a outras formas de expressão artísticas, poderá promover inúmeras competências na criança com SA, sobretudo aqueles que dizem respeito à comunicação social. A escola será, então, o local de excelência onde o aluno aprende, praticando, onde expressará as suas ideias e sentimentos, onde se sentirá encorajado a relacionar-se com a comunidade através da sua qualidade de “único” e “as artes” ajudá-lo-ão. A criança aprenderá, mediante a actividade, o processo de criar. Para Herbert Read (1982) “A Arte não é um terceiro domínio de estudo que convenha combinar separadamente com cada um dos outros; é um método de ensino que se estende a todos esses domínios e que une todos os estudos numa disciplina comum”. Ou seja, a Arte deve ser entendida como um momento e um espaço onde convergem diferentes objectivos, todos eles promotores das diferentes competências que se pretendem desenvolver na criança. Urge então que se potenciem as sinergias entre a Arte e a Educação, sobretudo no âmbito da educação especial. Aquele que encontrou a arte está meio curado (Nadir Afonso) Bibliografia: American Psychiatric Association (1996). DSM-IV – Manual de Diagnóstico e Estatísitca das Perturbações Mentais. 4.º edição. Lisboa: Climepsi Editores. Attwood, T. (1998). A Síndrome de Asperger - Um guia prático para pais e profissionais. Lisboa: Verbo. Bachman, L. (1990). Fundamental Consideration in language Testing. Oxford University Press. pp. 680-690. Cardoso, C. & Valssassina, M. (1998). Arte Infantil- Linguagem Plástica. Lisboa: Editorial Presença. Canale, M. & Swain, M. Theoritical bases of communicative approaches to second language teaching and testing in applied linguistics. Oxford University Press. pp. 28-31. Cumine, Val, et al (1998). Compreender a Síndroma de Asperger. Porto: Porto Editora. Eco, Umberto (2006). A definição de Arte. Lisboa: Edições 70. pp. 135-145 Matos, Fernanda. (2008). “Roteiro da Educação Artística” in Noesis, n.º 67, pp. 25-29. Read, Herbert. (2007). Educação pela Arte. Lisboa: Edições 70. Rodrigues, Dalila D´Alte.(2002). A infância da Arte e a arte da infância. Porto: Edições ASA. Aconselhamento Parental na Síndrome de Asperger Magda Alves - Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil As crianças com Síndrome de Asperger (SA) têm dificuldade em compreender as relações humanas e as regras da convenção social. Podem ser ingénuas e ter uma falta evidente de bom senso. O facto de serem inflexíveis e, muitas vezes, inábeis a lidar com as mudanças faz com que frequentemente se sintam ansiosas e emocionalmente vulneráveis. Estas crianças apresentam uma inteligência média ou acima da média e uma excelente capacidade de memória. A sua originalidade intelectual, associada à capacidade de se interessar intensamente por um tema, pode trazer--lhes grandes sucessos na vida profissional. Apesar do seu vocabulário ou poder de comunicação parecer normal ou até sofisticado podem não saber exactamente o significado do que dizem ou, sobretudo, o impacto das suas palavras. Quando ainda não é claro o diagnóstico clínico de SA, a maioria dos pais percebe que há algo de estranho com o filho, mas não sabe a razão. Geralmente esta percepção acontece quando é o primeiro filho ou se não tiverem outros filhos com os quais podem comparar os marcos de desenvolvimento. Contudo, em determinado momento, suspeita-se que há algo de errado. Antes do diagnóstico, muitos pais questionam as suas capacidades. Esforçam-se para entender o motivo das estratégias parentais terem funcionado para os filhos anteriores e não funcionarem agora, ou porque algo que funcionou para outros pais não funciona para eles, chegando, por vezes a pensar que não são bons pais. Às vezes, os profissionais interpretam mal o comportamento da criança, contribuindo ainda mais para o sentimento de confusão e fracasso dos pais. Apesar de serem ideias comuns, actualmente existe a certeza que a SA não tem como origem a “má educação” dada pelos pais. As famílias podem vivenciar uma série de emoções quando ficam a saber que o seu filho tem SA, entre as quais, perda, alívio, culpa e medo do futuro. Sendo assim, é aconselhável aceitar o diagnóstico e ajudar outros familiares a fazerem o mesmo. Os pais devem desenvolver atitudes, crenças e estratégias positivas para enfrentar a situação. Como seria de esperar, nem todas as crianças com SA são iguais. Como cada criança com SA tem a sua personalidade, as características mais “típicas” desta síndrome manifestam-se de forma individual e específica em cada uma delas. Por isso, não existem “receitas” que se apliquem de forma indiscriminada a todos as crianças com SA. Contudo, algumas sugestões de interacção com a criança, passam por compreender as suas idiossincrasias, minimizar os comportamentos desajustados e desenvolver os comportamentos adequados, tais como: - Aquisição de competências sociais: observar as brincadeiras sociais e as actividades de crianças da mesma faixa etária e brincar com a criança de forma idêntica. O objectivo é desenvolver competências inerentes à actividade e modelar o que deve ser dito e feito naquela situação, nomeadamente mostrar a forma de incluir outras crianças no jogo. É de extrema importância ajudar a criança a perceber o conceito de amizade, de acordo com a sua faixa etária, bem como a entender e expressar as suas emoções de forma adequada. - Interesses restritos: proporcionar um acesso controlado, com limitação do tempo de dedicação às actividades favoritas. Providenciar uma resposta escrita para as questões repetitivas feitas pelas crianças. Aproveitar os interesses para desenvolver actividades e motivar para a aprendizagem. Utilizar as fixações da criança como forma de alargar o seu reportório de interesses e aumentar comportamentos desejáveis, utilizando os interesses como reforço dos comportamentos adequados. - Dificuldade em tolerar as mudanças – Rotinas: proporcionar um ambiente previsível e consistente com alterações mínimas, utilizar um horário das actividades diárias, evitar alterações de rotina, proporcionar rotinas diárias consistentes e preparar a criança para as alterações de rotina. - Vulnerabilidade emocional: elogiar a criança sempre que apresenta um comportamento correcto, ensinar a pedir ajuda e escolher um “local seguro”, onde se pode dirigir para reduzir o stress, prevenir uma birra e ganhar controlo após um acesso de raiva ter ocorrido. É importante que a criança tenha sempre uma pessoa de referência com quem se sente confortável e confia. As crianças com SA apresentam dificuldades comunicativas e sociais significativas, assim como outras características, que podem influenciar individualmente a sua capacidade de funcionar, com êxito, em todas as fases da vida. Contudo, quando são dadas estratégias de suporte apropriadas, através do ensino (aprendizagem) directo e de adaptações e/ou modificações variadas, a criança com SA pode aprender a ser bem sucedida no nosso mundo imprevisível, social interactivo e sobrecarregado sensorialmente. É crucial existir uma equipa multidisciplinar que atenda as necessidades únicas e desafiadoras da criança com SA, sendo os pais membros vitais dessa equipa. Referências Bibliográficas: Attowood, T. (2006). A Síndrome de Asperger: Um guia para pais e professores. Lisboa: Editorial Verbo. Attowood, T. (2008). The Complete Guide to Asperger’s Syndrome. London: Jessica Kingsley Plublishers. Milles, B. & Simpson R. (2002). Asperger Syndrome: An Overview of Characteristics Focus on Autism and other Developmental Disabilities. 17, 132-137. Mori K, et al (2009). Parental stress associated whit caring for children whit Asperger’s syndrome or autism. Pediatr Int. 51, 364-370. Williams, C & Wright, C. (2008). Convivendo com o Autismo e Síndrome de Asperger: Estratégias Práticas para Pais e Profissionais. São Paulo: M. Books Brasil Editora Lda. Williams, K. (1995). Understanding the Student with Asperger Syndrome: Guidelines for Teachers, in Focus on Autistic Behaviour. University of Michigan: Medical Center Child and Adolescent Psychiatric. Programa para o Treino das Competências Sociais Patrícia de Sousa - Centro de Desenvolvimento Infantil “Diferenças” A Competência Social é a área do desenvolvimento pessoal e social que permite a concretização de relações intra e interpessoais satisfatórias através de comportamentos verbais, não-verbais e aspectos cognitivos. Este programa surge da necessidade de intervir com as crianças com Perturbações do Espectro do Autismo, uma vez que apresentam um perfil comportamental deficitário nas interacções sociais, na área da comunicação e socialização, apresentando comportamentos e interesses peculiares. Hoje em dia, este programa está estruturado de forma a se poder intervir noutras patologias do desenvolvimento como o Défice Cognitivo, com incidência nos comportamentos adaptativos e funcionais, e na Hiperactividade com incidência nos comportamentos assertivos. Foram elaboradas grelhas de trabalho de forma a ser possível o melhoramento da observação e avaliação do perfil da criança ao nível do comportamento e funcionalidade social, bem como toda a área de intervenção. Temos como objectivo prioritário a adequação de comportamentos em diferentes contextos, para que a criança obtenha um comportamento funcional que lhe proporcione índices de autonomia e para que não seja estigmatizada. Intervimos para que a criança entenda um comportamento como uma consequência de determinados sentimentos e pensamentos. É permitido à criança o conhecimento e a aplicação de diferentes emoções, o entendimento de que existem diferentes formas de comunicar e de se expressar. Só assim, facilitamos o processo para uma melhor intencionalidade comunicativa, fazendo com que a criança se desenvolva como um agente activo. A Intencionalidade Comunicativa, a Regulação Emocional e a Reciprocidade Social determinam os objectivos específicos a desenvolver na intervenção em diferentes contextos. O sucesso deste programa passa pelo envolvimento directo da família, escola e meio envolvente da criança. Para tal, são necessárias metodologias e dinâmicas de intervenção contextuais. São desenvolvidos programas de intervenção directa com a criança e família. Intervimos na escola enquanto mediadores dos agentes educativos com o objectivo de adaptar conteúdos e estratégias que promovam não só as aprendizagens educativas, mas enfatizando a necessidade de estruturar currículos funcionais para que as crianças com necessidades específicas desenvolvam a sua competência social, promovendo uma adequação comportamental e funcional. Promovemos seminários na área das Competências Sociais para pais, professores, técnicos e profissionais da área das perturbações do desenvolvimento infantil. Breves Apontamentos para um Percurso Escolar de Sucesso Cristiana Tavares - Escola Secundária Francisco Franco Todos já ouvimos ou utilizámos a expressão “O Homem é um animal social”, querendo focar toda a nossa atenção na necessidade de interagir com os que nos rodeiam. Os problemas começam quando, no seio da nossa sociedade, encontramos alguns indivíduos que apenas parecem fazer parte dela fisicamente, desempenhando o difícil papel de estar, não estando. Entramos, então, no campo do Autismo e da Síndrome de Asperger (SA). Descrita em 1944, pelo médico austríaco Hans Asperger, a SA é considerada uma variante do Autismo. Trata-se de um distúrbio capaz de provocar um enorme “sofrimento”, porquanto condiciona ou impede a interacção social, o que afectará, inquestionavelmente, o saber ser, o saber estar e o saber fazer. Neste sentido, o espaço escola configura-se como uma mini-sociedade, onde as pessoas com aquela síndrome terão de lidar com as suas limitações em três áreas basilares do desenvolvimento: a interacção social (implicando, entre outros, a gestão do isolamento a que se votam contra a vontade de querer ter amigos; a inteligibilidade da linguagem e dos comportamentos sociais); a comunicação em contextos sociais (embora falem fluentemente, claudicam na expressão das suas ideias, na interpretação das mensagens verbais ou não-verbais dos seus interlocutores, pois a linguagem figurada, a entoação ou as expressões corporais não fazem sentido); a imaginação social e a flexibilidade de pensamento (donde podemos destacar os comportamentos obsessivos quanto ao seguimento de rotinas ou até à apresentação e/ou defesa dos seus interesses, o que gera uma profunda perplexidade junto daqueles que os rodeiam). Pegando nas palavras de Lorna Wing (cit. por Campos, s.d.), para as pessoas com esta síndrome “o mundo é estranho e desconcertante: as pessoas não dizem aquilo que pensam, dizem aquilo que não pensam, fazem comentários triviais e sem significado, aborrecem-se e perdem a paciência quando uma pessoa com Síndrome de Asperger lhes refere centenas de factos fascinantes sobre horários, as inúmeras variedades das cenouras ou o movimento dos planetas. Também não entendem como é que as pessoas conseguem tolerar tantas luzes, sons, cheiros, texturas, paladares, sem se desnortearem, se preocupam tanto com a hierarquia social, têm relações emocionais tão complicadas, conseguem utilizar e interpretar tantas convenções sociais, são tão ilógicos”. O que fazer? Como fazer? Partindo da experiência adquirida ao longo destes dois últimos anos lectivos, em que tive a oportunidade de acompanhar um aluno com SA (apresentando, simultaneamente, um quadro de Défice Intelectual), julgo ser capaz de elencar um conjunto de estratégias conducentes, por um lado, a uma melhor socialização dos alunos com aquela síndrome e, por outro, à realização de um percurso escolar com sucesso. O primeiro grande desafio que o aluno teve de enfrentar foi a chegada a uma nova escola. Encarar um espaço físico novo, povoado por uma imensa companhia de caras diferentes foi, certamente, algo bastante difícil para um aluno com SA. Por isso, o aluno que acompanhei sentiu necessidade de encontrar um espaço onde se sentisse mais seguro, onde pudesse fazer aquilo que mais gostava: desenhar e consultar livros. Logo, o seu reduto passou a ser a biblioteca. A partir deste momento, tornava-se importante criar um conjunto de condições que permitisse ao aluno uma óptima integração escolar. Juntando as informações veiculadas pela encarregada de educação do discente e informações que recolhi sobre a SA (dados que apresentei, enquanto professora de Educação Especial, junto do Conselho de Turma), partiu-se para a elaboração do Programa Educativo Individual (PEI), onde, para além de outros elementos, se definiram estratégias que visavam possibilitar ao aluno o melhor desenvolvimento possível do seu processo de ensino-aprendizagem. Em primeiro lugar, houve a preocupação de comunicar aos restantes alunos da turma que teriam um colega com um determinado conjunto de características, de modo a que não o estigmatizassem, procurando fazer com que eles se esforçassem por lhe prestar um apoio directo e contínuo, quer dentro, quer fora da sala de aula. Depois, havia que centrar os esforços na realização das actividades lectivas. Assim, fiz questão de, conjuntamente com os professores da turma, preparar o aluno para aceitar os interesses dos seus colegas, criando situações de trabalho em grupo, como forma de proporcionar a interacção com os pares, colocando em prática uma série de regras de bom comportamento (a postura, a capacidade de iniciar e desenvolver diálogos em que desse espaço ao outro para a apresentação das suas ideias e em que tecesse comentários interessantes e pertinentes). Relativamente ao trabalho a desenvolver individualmente dentro da sala de aula, considerou-se importante: elaborar calendários para agendamento de testes, de tarefas e de horas de estudo; garantir que o aluno se mantivesse atento e concentrado nas actividades propostas (era fundamental afastar todos os objectos desnecessários ao seu trabalho, para evitar distracções: uma simples lapiseira era motivo para desmontar e montar repetidamente); ter um lugar certo e fixo a ocupar na sala de aula; valorizar a participação oral do discente, levando-o a dar as respostas adequadas às questões colocadas; verificar constantemente a participação activa do aluno na realização das tarefas propostas (neste caso, tornava-se fundamental dar-lhe ordens claras e directas acerca do que teria que fazer, traçando objectivos muito precisos, a fim de evitar discussões ou perguntas obsessivas); recorrer, sempre que necessário, à subdivisão de tarefas para facilitar a compreensão das mesmas (o recurso a exemplos da realidade do discente era sempre uma boa forma de perspectivar essa compreensão), possibilitando também a realização daquelas em períodos mais alargados de tempo; explicar e descodificar a linguagem simbólica utilizada nalgumas disciplinas (neste caso concreto, eram notórias as dificuldades do discente a Português e a Filosofia), fazendo uso, mais uma vez, da realidade do aluno, usando como instrumentos, entre outros, o desenho e os recursos multimédia; proceder a adaptações curriculares (no caso apresentado, nas disciplinas de Português e de Filosofia) que fossem ao encontro das capacidades do aluno. Estas são algumas das estratégias que podem resultar no trabalho a realizar com alunos com SA. Contudo, a juntar à inter-relação entre os vários intervenientes no processo educativo do aluno - pais, professores, alunos, técnicos especializados, órgãos de gestão e administração escolar, entre outros - as principais serão a paciência, a tolerância e a aceitação da diferença. “As pessoas confundem-me. Isto acontece por duas razões principais. A primeira razão principal é que as pessoas falam muito sem usarem quaisquer palavras. (…) A segunda razão principal é o facto de as pessoas falarem frequentemente usando metáforas” (Haddon, 2003). Bibliografia: Cumine, V., Leach, J. & Stevenson, G. (2006). Compreender a Síndrome de Asperger – Guia Prático para Educadores. Colecção Educação e Diversidade. Porto. Porto Editora. García, T. B. & Rodriguez, C. M. (1997). A Criança Autista. In M. Cuberos et al Necessidades Educativas Especiais. Lisboa. Dinalivro. Haddon, M. (2003). O Estranho Caso do Cão Morto. Colecção grandes Narrativas. Editorial Presença. Nielsen, L.B. (1999). Necessidades Educativas Especiais na Sala de Aula. Um Guia para Professores. Colecção Educação Especial. Porto. Porto Editora. Internet: Campos, A. (s.d.). Asperger e Buillying: Associação Perigosa. [on-line]: Disponível no URL: www.educare.pt Núcleo das perturbações do Espectro do Autismo e dos Défices Cognitivos. [on-line]: Disponível no URL: www.cadin.pt Síndrome de Asperger – Guia para pais e professores & Ensinando o estudante com Síndrome de Asperger [on-line]: Disponível no URL: ww.apsa.org.pt Asperger Adulto: E Agora? Sandra Pinho - Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil l Manuel tem 37 anos. Fez um percurso escolar absolutamente normal até ao 12.º ano, sem nunca reprovar. Relacionava-se pouco com os colegas do liceu, preferia estar em família e as suas actividades de tempos livres eram desenvolvidas principalmente em casa. Fã incondicional do cinema, coleccionava gravações VHS de grandes clássicos. Rebuscava freneticamente os guias de TV, para não perder nenhuma emissão e lançava todas as novas aquisições numa base de dados que desenvolveu em Excel, em parceria com o seu irmão. No ensino superior, teve mais dificuldade, mas conseguiu terminar a sua licenciatura com 27 anos. O pior veio a seguir. O sonho de uma carreira na área da Engenharia desvaneceu-se, confrontado com a dificuldade de integração, os empregos de baixa qualificação e curta duração. Sucederam-se curtas experiências em áreas díspares e longos períodos de desemprego. Muitos jovens licenciados deparam-se actualmente com esta dificuldade. Os números do desemprego qualificado não o escondem, mas para o Manuel a situação parecia mais complicada. Porque não conseguiria manter-se mais do que uns escassos meses nos empregos? Porque teimaria em exibir comportamentos e atitudes completamente desadequados em contexto de trabalho, que os pais batalhavam por extinguir? A resposta só veio alguns anos mais tarde, aos 35 anos, quando lhe foi diagnosticada a Síndrome de Asperger (SA). A família suspirou de alívio, por finalmente compreender as particularidades e bizarrias do seu comportamento, contudo, este facto também originou preocupação, por se tratar de uma perturbação tão pouco conhecida e apoiada em Portugal. Felizmente, estavam a ser dados os primeiros passos, atendendo que a recém-nascida Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger estava a iniciar o seu trabalho de divulgação, educação e de apoio às famílias das pessoas com SA. Também o Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil (CADIn) iniciara nessa altura um projecto de integração profissional de pessoas com perturbações do desenvolvimento, bafejado, sem dúvida, pela sorte – a circunstância de um pai de uma criança com deficiência ter uma posição de poder que lhe permitiu abraçar esta causa. O Manuel foi integrado neste projecto e finalmente pôde experimentar alguma segurança no emprego. O projecto proporcionou-lhe a sua experiência profissional mais longa – actualmente está integrado há 4 anos. Com o seu esforço e o apoio da família, do CADIn e da equipa de acolhimento no seu posto de trabalho, tem desenvolvido um trabalho notável e a sua presença faz a diferença. É um trabalhador assíduo, empenhado, extremamente meticuloso e perfeccionista no exercício das suas tarefas. É atento aos detalhes que os outros ignoram e não se importa de realizar as mesmas tarefas todos os dias. Pelo contrário, a estrutura dá-lhe segurança. Como o Manuel, inúmeros outros jovens procuraram a ajuda do CADIn na difícil transição para a vida adulta. Esta procura proporcionou à equipa a oportunidade de percorrer um caminho por desbravar – o da integração e inclusão profissional de pessoas com SA. Caminhando, descobrimos que existe formação profissional destinada a pessoas com necessidades especiais e que existem apoios à contratação de pessoas com deficiência. Visitámos várias instituições a trabalhar na reabilitação profissional de pessoas com deficiência e promovemos um encontro entre estas entidades, com o objectivo de aproximar instituições, proporcionar a partilha de experiências e o conhecimento mútuo. Caminhando, descobrimos que em Portugal não existem respostas de formação profissional adequadas ao público com SA. Estes jovens têm demasiadas competências para ingressar na formação profissional especial, proposta por vários centros ao abrigo do Programa Operacional de Valorização do Potencial Humano, e não têm competências suficientes para frequentar modalidades de formação destinadas a públicos sem necessidades especiais, como os cursos profissionais, os cursos de aprendizagem ou os cursos de especialização tecnológica, entre outros. Na falta de soluções adequadas, temos de aproximar o jovem de um ou de outro tipo de formação e fazê-lo encaixar como um círculo dentro de um quadrado. Caminhando, descobrimos que as empresas não estão receptivas à integração de pessoas com perturbações do foro psicológico. A integração de pessoas com deficiência físicas é uma realidade, mas quando se propõe a integração de pessoas com perturbações mentais, os empresários recuam, receosos. Caminhando, descobrimos a tirania de uma cultura de competitividade, lucro e polivalência nas empresas, bem como a intolerância da sociedade face à diferença, à falta de contacto com as Perturbações do Espectro do Autismo, em particular a SA, e a consequente desconfiança em relação às capacidades destas pessoas. Continuámos a marcha na procura de novas soluções para estes adultos. Actualmente, propomos uma formação à medida das pessoas com esta Síndrome, que lhes permita desenvolver a autonomia, a auto-afirmação e a defesa dos seus direitos enquanto cidadãos que têm uma deficiência, mas também com inúmeras outras características, entre elas qualidades bastante válidas no mercado de trabalho. Os indivíduos com SA são habitualmente honestos, organizados e precisos, atentos ao detalhe, apreciam trabalhos de rotina, são de confiança, empenhados, têm boa memória para factos e números e gostam de tarefas repetitivas. Apostamos no desenvolvimento do indivíduo como agente de mudança cultural, capaz de compreender a sua perturbação e explicá-la aos outros, falando das dificuldades características da tríade - comunicação, interacção social e flexibilidade de pensamento - mas também das qualidades habitualmente associadas à SA. Apostamos também na realização de estágios não remunerados que promovem o contacto da sociedade em geral com esta população específica e proporcionam ao jovem a oportunidade de “mostrar o que vale” e experimentar as tarefas, ferramentas e ambientes de várias ocupações, sempre com o apoio do CADIn. Apostamos no cumprimento da lei que prevê ajustamentos no processo de selecção, adaptações razoáveis no posto de trabalho e apoios à contratação de pessoas com deficiência (Decreto-Lei n.º 29/2001, Lei n.º 38/2004 e Decreto-Lei n.º 287/89). Finalmente, apostamos na reponsabilidade social das empresas. Para além dos objectivos imediatos de rentabilidade, as empresas devem reconhecer a sua responsabilidade na criação de uma sociedade melhor. Ao empregar pessoas com deficiência, os empresários demonstram que reconhecem, aceitam e que se preocupam com a responsabilidade social. O seu contributo pode consistir meramente em facultar um posto de trabalho em regime de estágio não remunerado, com as seguintes garantias por parte do CADIn: 1) Selecção dos candidatos; 2) Formação atitudinal e comportamental prévia; 3) Formação da equipa de acolhimento na empresa, sobre as Perturbações do Desenvolvimento; 4) Acompanhamento do jovem durante todo o primeiro dia de integração; 5) Visitas semanais de acompanhamento; 6) Disponibilidade permanente de um contacto telefónico para situações de dúvida. Este artigo é um apelo a todos os empresários, de pequenas, médias e grandes empresas, para assumirem a sua Responsabilidade Social e proporcionarem aos jovens e adultos com SA a oportunidade de mostrarem o que valem, participarem na sociedade e realizarem-se enquanto pessoas adultas. A Nutrição na Síndrome de Asperger Sandra Nunes - Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil A Síndrome de Asperger (SA) foi descrita, pela primeira vez, em 1944, pelo médico austríaco Hans Asperger, com a denominação de “Psicopatia Autística”. Este quadro clínico recebeu pouca atenção durante quase 40 anos. Em 1981, Lorna Wing publica um artigo, onde descreve a perturbação denominando-a pela primeira vez como “Síndrome de Asperger”. Contudo, esta síndrome só foi oficialmente reconhecida, com a sua inclusão, no DSM-IV (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais – IV Edição) em 1994, como uma das Perturbações Globais do Desenvolvimento. Actualmente, a SA é considerada uma perturbação do espectro do autismo (PEA). É uma perturbação do neurodesenvolvimento caracterizada por alterações em três vertentes diferentes do desenvolvimento: na interacção social (dificuldade em fazer amizades, em integrar grupos, etc.), na comunicação (dificuldade em estabelecer contacto visual, uso de palavras sofisticadas, interpretação literal do que lhe é dito, etc.) e no comportamento (interesses especiais pouco comuns na intensidade e tipo, preferência por rotinas, etc.). As crianças com perturbações do espectro do autismo, incluindo a SA, apresentam frequentemente dificuldades nutricionais e problemas médicos (situações de toxicidade, inflamação intestinal, sintomas gastrointestinais, insuficiência pancreática, alterações imunológicas e deficiência de nutrientes). A intervenção nutricional nas PEA é aplicada desde a década de 60 e teve uma grande adesão por parte dos pais que procuravam soluções para os problemas que os seus filhos apresentavam. As crianças com PEA alimentam-se de forma diferente? No que diz respeito à alimentação, uma das questões que tem sido muitas vezes colocada é se a criança com uma PEA se alimenta de forma diferente das outras crianças. Apesar de não haver uma estimativa da prevalência das dificuldades na alimentação especificamente para as crianças com PEA, a literatura está repleta de relatos bizarros. Em alguns casos, os pais referem que as suas crianças não comem alimentos de uma determinada cor (por exemplo amarelo) ou forma ou de uma determinada marca. Mas se compararmos o comportamento alimentar de crianças com PEA com crianças com desenvolvimento típico verificamos que as primeiras não apresentam diferenças quanto ao tipo de dificuldades alimentares que exibem. O que é diferente é a frequência com que manifestam estes comportamentos e a quantidade de comportamentos alimentares problemáticos que apresentam em simultâneo. Uma criança com desenvolvimento típico pode apresentar, em algum momento do seu desenvolvimento, recusa alimentar, enquanto que uma criança com PEA pode apresentar este comportamento mais vezes e ainda associado a outros, como dificuldade em aceitar novos alimentos e novas texturas. Verifica--se ainda que as crianças com PEA que apresentam maiores dificuldades na adaptação à mudança são também as mais propensas a terem dificuldades na área alimentar. A introdução de novos alimentos e novas texturas, envolvendo novos sabores, novos cheiros e novas consistências, é uma tarefa muitas vezes difícil, uma vez que implica a introdução em simultâneo de muitas sensações novas. Assim, as crianças com PEA: - Revelam menor capacidade de se auto-alimentar; - Quando lhes são apresentados vários alimentos, recusam alguns deles com maior frequência; - Aceitam menos alimentos de cada uma das categorias de alimentos (frutas, legumes, lácteos, proteínas e amidos), não revelando preferência por nenhum deles; - Recusam mais alimentos devido à textura (preferem papas e purés); - Apresentam maior dificuldade em aceitar novos alimentos; - Manifestam maior número de comportamentos ritualizados, por exemplo, necessidade de um determinado utensílio ou de uma determinada apresentação do alimento para comer, e comportamentos peculiares, como comer um alimento de cada vez, sem misturar alimentos, comer primeiro toda a carne e depois o arroz, etc. Intervenção Exemplificamos como pode ser feita a introdução de um novo alimento: Numa criança com desenvolvimento típico: Fornecer repetidamente o alimento em pequenas quantidades; A 1.ª e 2.ª exposição ao novo alimento devem ser próximas (hora de jantar 2 dias consecutivos); Podem ser necessárias 10 a 15 exposições ao alimento, apresentadas num curto período de tempo, até a criança aceitar. Numa criança com PEA: Colocar o novo alimento em cima da mesa, ou perto desta, durante a refeição; Tentar fazer com que a criança olhe para o alimento; Tentar colocar o alimento perto da criança ou fazer com que a criança toque ou cheire o alimento; Este último passo pode necessitar de repetidas exposições do alimento; Podem ser necessários e demorar muito tempo até que a criança aceite o novo alimento, dependendo da sua capacidade de adaptação à mudança. É importante que os pais e cuidadores de crianças com PEA reconheçam que estas não são muito diferentes das crianças com desenvolvimento típico no que diz respeito ao tipo de dificuldades alimentares. Necessitam é de mais tempo para as ultrapassar, uma vez que estes comportamentos tendem a estar associados a dificuldades de adaptação à mudança. Quando recorrer a uma consulta de nutrição Independentemente do estado de desenvolvimento, as crianças com PEA, devem ser referenciadas o mais depressa possível para uma consulta de nutrição sempre que manifestem: comportamentos alimentares problemáticos, atraso no crescimento, alergias alimentares, intolerâncias alimentares, sintomas gastrointestinais ou doença persistente. Em qualquer criança, uma malnutrição moderada pode causar: atraso cognitivo, problemas de crescimento, défice de atenção, insónias, infecções frequentes e problemas comportamentais. A consulta de nutrição A consulta de nutrição deve conter os seguintes passos: 1) Avaliação nutricional, para obtenção de dados que permitam identificar o problema relacionado com a nutrição. Nesta fase avaliam-se as medidas antropométricas (peso, estatura, perímetro cefálico…), recolhem-se dados sobre a ingestão alimentar, pesquisam-se sinais e sintomas clínicos, recolhe-se a história médica e analisam-se os testes bioquímicos; 2) Diagnóstico nutricional, isto é, identificação do problema nutricional; 3) Intervenção; 4) Avaliação e monitorização nutricional, de modo a perceber a evolução que existiu desde a última consulta. O parâmetro mais importante para definir o estado nutricional de uma criança ou adolescente é o crescimento. Os padrões de crescimento são a expressão directa da ingestão alimentar e função intestinal. As Curvas de Crescimento, utilizadas em Portugal desde 1981, ajudam-nos a fazer esta avaliação. Nas crianças com PEA, o início das alterações no desenvolvimento dá-se por volta dos 12-18 meses, altura em que se verificam alterações nas curvas de crescimento. As crianças com SA apresentam frequentemente um percentil para o índice de massa corporal (IMC) inferior a 10, o que indica que a criança se está a aproximar de um estado de deficiência nutricional, que por si só tem implicações no crescimento, na função imunológica, no sono, no comportamento e na aprendizagem. Um IMC baixo implica uma pobre ingestão alimentar, mal absorção ou ambos. Nestes casos, é importante, além de aumentar o aporte calórico, pesquisar se existe alguma complicação gastrointestinal, alergia ou intolerância alimentar. As crianças com PEA têm, frequentemente, a função do tracto gastrointestinal comprometida. Os sintomas são: dor abdominal, gases, inchaço, diarreia, perda de fezes aquosas, obstipação ou refluxo. A biopsia intestinal mostra, frequentemente, alteração da mucosa intestinal (conhecida como doença celíaca) que compromete a normal absorção de nutrientes. É provocada por uma resposta do sistema imunitário intestinal ao glúten, uma proteína presente no trigo, centeio, cevada e aveia. Os alimentos que contenham estes componentes devem ser eliminados da dieta e substituídos por outros. As crianças com PEA também apresentam mais frequentemente alergias e intolerâncias alimentares (por exemplo ao leite). Conclusão As crianças com PEA, como todas as crianças, necessitam de um estado nutricional normal para um correcto crescimento e desenvolvimento. Quando se detectam falhas no crescimento e desenvolvimento, a avaliação e intervenção nutricional devem ser realizadas o mais breve possível. Estas crianças têm mais frequentemente problemas nutricionais e gastrointestinais, por isso as dietas especiais devem ser adequadas ao padrão de crescimento e terapeuticamente relevantes. A Sexualidade na Síndrome de Asperger Carlos Nunes Filipe - Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa / Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil Quando falamos de sexualidade na Síndrome de Asperger (SA), estamos a admitir, implicitamente, dois pressupostos: primeiro, que as pessoas com SA têm, como nós, uma sexualidade que desempenha um papel mais ou menos importante nas suas vidas; segundo, que esse papel é de alguma forma diferente do que em nós ela desempenha, uma vez que sentimos a necessidade de explicitar a natureza da perturbação, como condicionante ou distintivo da vivência da sexualidade dessas pessoas, assim admitida como diferente ou peculiar. Esses são também, necessariamente, os pressupostos por mim assumidos: as pessoas com uma Perturbação do Espectro do Autismo têm uma vivência da sua sexualidade e essa vivência é condicionada pela natureza e particularidades da perturbação que os afecta. Para além disto, devo deixar claro, desde já, que entendo que as pessoas com Autismo ou SA (crianças, jovens, adolescentes ou adultos) têm direito, tal como nós, a explorarem e usufruírem a sua sexualidade sem se colocarem em risco, a si e aos outros ou sem se agredirem. Finalmente, é inevitável que a leitura que possamos fazer da sexualidade nas pessoas com SA seja condicionada tanto pelo conhecimento, como pelos preconceitos que temos a respeito da nossa própria sexualidade. Esse poderá ser, quer queiramos ou não, um condicionalismo muito importante. Apresentamos de forma resumida algumas manifestações da sexualidade, consideradas normais, em sucessivas etapas do desenvolvimento, nas crianças e no início da adolescência. Dos zero aos dois anos: - descobre as áreas de prazer (áreas erógenas); - percebe que a fricção dos genitais dá prazer; - tem prazer na proximidade física. Dos dois aos cinco anos: - manifesta interesse pelo corpo e pelas suas funções; - grande curiosidade acerca das diferenças entre rapazes e raparigas; - nomeia as partes do corpo e suas funções; - grande interesse pelas sensações físicas, incluindo a auto-estimulação dos genitais; - exibicionismo; - faz perguntas repetidas sobre de onde Vêm e como nascem os bebés; - fascinação por palavras obscenas; - diz piadas acerca de sexo e dos órgãos genitais; - imitação dos comportamentos de afecto (abraçar, beijar); - começa a observar e a explorar as partes do corpo dos amigos e amigas. Dos seis aos doze anos: - auto-estimulação (masturbação) frequente, mantida em privado; - exploração sexual e jogos sexuais com companheiros do sexo oposto e do mesmo sexo (secretos e às escondidas dos adultos); - conversas e discussões com os colegas sobre comportamentos sexuais; Interesse marcado por crianças do sexo oposto (o “namorado” ou a “namorada”); - necessidade crescente de privacidade - início da puberdade e do “salto” para a sexualidade adolescente. Apesar de demasiado geral e de não levar em consideração variáveis importantes, como sejam as diferenças de género ou as influências culturais, este quadro permite algumas conclusões que interessa aqui salientar. Assim, resulta claro que a sexualidade é descoberta e desfrutada inicialmente de forma individual, o sujeito consigo próprio na descoberta do seu corpo. À medida que cresce e se desenvolve, a criança e depois o adolescente, tende a projectar cada vez mais a sexualidade na relação com o outro. Do prazer do próprio corpo passa-se ao prazer do contacto com o corpo do outro para, desejavelmente, chegar ao prazer de dar prazer. No adolescente e depois no adulto, estas várias dimensões do prazer sexual (o prazer no próprio, o prazer dado pelo outro e o prazer dado ao outro) convivem e coabitam em proporções diferentes e variáveis, ao longo da vida. Fica assim claro que, desde muito cedo, em condições normais, a construção da sexualidade do indivíduo caminha a par e passo e de mão dada com o desenvolvimento da sociabilização. Desta forma, em presença de uma perturbação da capacidade de interacção social, a compreensão e a aprendizagem da interacção sexual é afectada e pode, em consequência, ser desajustada. Os erros de avaliação do ajustamento social acarretam desajustes nas manifestações da interacção sexual. Assim sendo, pode haver uma diferença enorme entre a conotação que o próprio atribui a essas manifestações e a que lhes é atribuída pelos outros. É o que se passa frequentemente nas pessoas com SA, em que a dificuldade no entendimento da interacção social condiciona a expressão da sua sexualidade e pode determinar o aparecimento de manifestações de natureza ou conotação sexual entendidas como sendo socialmente pouco ajustadas, de que o próprio nem se apercebe. A sociabilização é uma das capacidades mais importantes do ser humano. O seu desenvolvimento depende de forma crítica da maturação adequada (antes e depois do nascimento) das, tremendamente complexas, Redes Neuronais que constituem o Sistema Nervoso. De enorme importância no desenvolvimento da interacção social é, por outro lado, o desenvolvimento da capacidade de abstracção, dedução e generalização de conceitos. Isto inclui a capacidade de aprender e integrar comportamentos sociais não explícitos, reconhecendo sinais subtis de afecto, comunicando de forma adequada e competente com os outros e tendo em consideração os seus pontos de vista (geralmente distintos dos nossos...). Esta é uma aprendizagem contínua. Para que ela ocorra, o Sistema Nervoso tem de elaborar constantemente as novas informações que lhe chegam, integrá-las nas já apreendidas e construir novas formas de conhecimento. Para que este processo se verifique são necessárias sempre duas condições: que a pessoa seja constantemente exposta a novos estímulos (neste caso falamos de estímulos sociais) e que o Sistema Nervoso seja suficientemente plástico, isto é, moldável e capaz de ajustar de forma adequada as novas informações ao resultante das informações até então percebidas. Para esse desenvolvimento contribuem, assim, tanto a herança genética do indivíduo, como a sua interacção com o meio que o rodeia. Assim se poderia perceber, pelo menos em teoria, a evolução social de cada indivíduo, da rigidez e egocentrismo da primeira infância (a imaturidade das redes neuronais e a vivência necessariamente breve limitam a criança a um reduzido leque de informação acumulada), passando pela instabilidade e labilidade das crianças e jovens adolescentes (que corresponderia a uma fase de intensa assimilação e elaboração de nova informação), à maior rigidez dos idosos (a informação tenderia a estar já tão estabilizada que seria difícil de alterar). Seguindo este raciocínio, não seria de esperar a emergência nos primeiros anos de vida de manifestações indiciadoras de grandes diferenças entre as crianças com SA e todas as outras crianças. De facto é isso que se verifica. Por norma, é já em idade escolar e, depois, no início da adolescência, que as manifestações de desajustamento social se tornam mais evidentes e, eventualmente, preocupantes nas pessoas com SA. De tudo o que foi dito, não será ainda de estranhar a grande rigidez de comportamento nas pessoas com SA, rigidez essa que a idade não tende a atenuar. Normalmente, a entrada na adolescência acompanha-se de uma mudança importante na forma de pensamento: o pensamento concreto típico da criança pequena torna-se progressivamente mais abstracto. Este salto é fundamental para que seja possível a interacção social complexa que o comportamento sexual adulto requer. É bem sabido que a sexualidade é aprendida na adolescência através da sociabilização e, frequentemente, de forma não explícita. Os adolescentes, em particular, têm uma tendência forte para se agregarem e se identificarem com figuras fora do seio familiar. O seu leque de interacções sociais alarga-se muito para além das da infância. A sexualidade passa pelo mimetismo e interacção com esses modelos e grupos alargados. A dificuldade no relacionamento social e/ou a exclusão social condicionam, assim, de forma determinante o acesso a essas referências. Mas, mais do que isso, mesmo em presença das referências apropriadas, as pessoas com SA podem não ter a capacidade de as apreender, descodificar e integrar adequadamente. A incapacidade de leitura da interacção social, derivada, em meu entender, da incapacidade de abstracção e generalização é, de facto, um dos traços nucleares que caracterizam a SA. A par desta, tem vindo a ser há muito descrita a dificuldade que as pessoas com SA têm de se colocar na pele do outro, de verem o mundo de forma diferente daquela como eles próprios o veêm. É assim manifesta a dificuldade em entenderem, intuitivamente, que existem muitas leituras possíveis de uma mesma realidade e que, aquilo que eu sinto pode não ser (e de facto geralmente não é) igual ao que os outros sentem. Os meus desejos e as minhas intenções não são necessariamente os mesmos dos outros e, inversamente, as intenções dos outros não correspondem necessariamente às minhas. Esta verdade, para a maioria de nós evidente, leva-nos a estar atentos às manifestações e sinais, mais ou menos explícitos, mais ou menos evidentes, que possam revelar o que o outro pensa e sente, o que lhe “vai na alma”. Este entendimento do outro, fundamental na interacção social, atinge o seu expoente máximo no jogo do amor e da sedução. Sem esse entendimento do sentir do outro, como sendo distinto do meu sentir (sem essa “teoria da mente”, como tem sido designada), o indivíduo pode acabar por dizer o que pensa e agir o que sente, sem receio de cair no ridículo ou de ofender. Inversamente, será incapaz de dizer ou agir o que não corresponder rigorosamente àquilo que pensa e sente, ainda que se trate do que “deveria saber” que o outro espera e que, do ponto de vista do outro, seria entendido como gesto de consideração ou de afecto. Esta “excessiva honestidade” acaba por se traduzir na incapacidade de satisfazer o outro, sempre que isso não corresponda a motivos, assuntos ou objectos de interesse do próprio ou que ao próprio dariam satisfação. O forte impulso sexual característico da adolescência, pode ser intrusivo se o jovem não tiver uma capacidade adequada para o controlar e ajustar às situações sociais. Estando mantida a sexualidade biológica, mas sendo grande o desconforto na relação com os outros, é frequente as pessoas com SA satisfazerem a sua sexualidade de forma solitária. O contacto físico pode ser mesmo muito desconfortável para algumas dessas pessoas com SA (são frequentes na SA alterações das sensibilidades) e, nesses casos, as práticas masturbatórias podem ser mesmo as mais gratificantes. Quando existe uma relação com outra pessoa, a iniciativa parte quase sempre do outro e as práticas sexuais, mais que procuradas, são, com alguma frequência, tão-somente toleradas pelo sujeito com SA. As mudanças rápidas que ocorrem no corpo durante a puberdade podem ser também mal compreendidas e mesmo muito perturbadoras para adolescentes com SA. O aparecimento dos caracteres sexuais secundários, a mudança de voz, a menarca ou a ejaculação nocturna espontânea, podem ser entendidos de forma angustiada como sinais de doença. A imposição social de intimidade do corpo, entendida pelos outros como sinal de pudor, pode ser incompreensível para um jovem com SA. Incompreensível a razão porque tem de esconder dos outros o que até aí ninguém se importava que descobrisse; incompreensível o uso e o desconforto de determinadas roupas e a inconveniência de outras, manifestamente mais confortáveis; incompreensível a mudança de conotação de certas carícias dependendo da pessoa e do local onde são feitas; incompreensível a conveniência e a inconveniência de rigorosamente as mesmas palavras, dependendo da pessoa e do local onde são proferidas; incompreensível o prazer que os outros tiram deste jogo manifestamente absurdo, misto de “esconde, esconde” e de “às apanhadas”. É assim, e por tudo isto, que os adolescentes com Perturbações do Espectro do Autismo, nas que se inclui o SA, exibem com alguma frequência comportamentos sexuais inapropriados. Tocar nos genitais de forma desadequada, tocar ou aproximar-se demasiado de outras pessoas, assediar, usar linguagem obscena são alguns desses comportamentos, naturalmente entendidos pelos outros como desadequados, grosseiros, mesmo como ofensivos. Na maioria esmagadora dos casos, a pessoa com SA está longe de supor que o são. Não se trata pois de comportamentos sexuais desviantes (parafilias), mas sim de comportamentos sexuais inapropriados (seriam eventualmente adequados se a pessoa tivesse outra idade ou estivesse noutro contexto...). Esta é uma distinção que nunca é demais sublinhar. Falar sobre a sexualidade, treinar os comportamentos sexuais e a sua adequação social são tarefas extremamente importantes que cabem aos pais e aos educadores que trabalham com crianças e adolescentes com SA. O objectivo é permitir que as pessoas com SA possam usufruir em segurança da sua sexualidade, de forma satisfatória para o próprio e não ofensiva para os outros. É, pois, importante ensinar os adolescentes a lidarem com a sexualidade e a desfrutarem dela, de forma socialmente adequada. Comecemos pelo primeiro ponto que respeita à fruição da sexualidade pelo próprio. Com a melhor das intenções, pensa-se com frequência que aquilo que é bom para nós é bom para os outros; no caso, que o que nos dá prazer dará também prazer a pessoas com SA. Como vimos, não é esse o caso. Forçar a sociabilização e o contacto pode ser sentido com grande desconforto e angústia. O relacionamento sexual, tal como o entendemos, implica um grau de sociabilização nem sempre possível a pessoas com SA. Frequentemente, as manifestações de interesse sexual e afectivo são mais fruto da tentativa de imitação social do que da atracção ou necessidade sentida pelo jovem com SA (comportando-se como os demais não se sente excluído; os outros sentem-se bem namorando logo, se eu namorar também posso sentir-me assim…). Indo mais longe, o namoro, a coabitação, o casamento, a constituição de uma família, a educação dos filhos, são funções que exigem uma autonomia nem sempre ao seu alcance. Com frequência, a atracção sexual e a carência afectiva a que se alude correspondem mais ao que nele projectam os pais e cuidadores do que à atracção sentida pelo próprio jovem com SA. A vivência da sexualidade só será satisfatória se respeitar as particularidades da pessoa, sem a forçar nem impedir, no que isso não colidir com a liberdade alheia. É importante perceber que as necessidades não são as mesmas, é importante perguntar se se sente bem, em que condições se sentiria melhor e em que condições se sentiria pior. Nas pessoas com SA, como afinal com todos nós, a ausência de preocupação expressa acerca da sexualidade, ou do comportamento sexual, não quer dizer que tudo esteja bem. O segundo ponto que antes referi diz respeito à importância de as pessoas com SA não se colocarem em risco, nem agredirem ou colocarem em risco os outros. A dificuldade de leitura das regras implícitas torna necessária a sua explicitação, a partir da qual podem ser elaborados algoritmos, mesmo na forma de listagens, de comportamentos adequados e desadequados. A título de exemplo, refiro alguns comportamentos que devem ser treinados e mantidos de forma continuada: - despir só no quarto ou na casa de banho; - tocar os próprios genitais só em locais privados; - fechar a porta quando se está na casa de banho; - não entrar no quarto dos outros sem pedir autorização para entrar; - andar dentro de casa de um lado para o outro, ou na rua, sempre vestido; - dar indicações concretas sobre como cumprimentar; - dar indicações concretas sobre como tocar e não tocar nos outros Estes comportamentos podem (e devem) ser treinados e mantidos usando técnicas comportamentais simples, adequadas à capacidade cognitiva e funcionalidade do indivíduo. Exemplos dessas técnicas são a simplificação de ordens (as instruções devem ser dadas na forma de ordens simples, directas e objectivas), o redireccionamento (os comportamentos desajustados devem ser redireccionados, isto é, substituídos por comportamentos correctos bem identificados), a recompensa pelos comportamentos adequados (tão imediata quanto possível e identificando bem os comportamentos a que diz respeito) e a modelagem (imitação de modelos de comportamento adequados). Só ocasionalmente haverá necessidade de recorrer a medicação, com vista a complementar as estratégias comportamentais, no controlo de comportamentos sexuais desajustados. A utilização de antidepressivos, estabilizadores do humor, neuroléticos ou, em casos mais extremos, terapêutica hormonal, deve ser objecto de avaliação cuidadosa por um médico com experiência nesta patologia, sempre caso a caso, pesando benefícios e efeitos secundários e sempre, como disse, complementando a intervenção comportamental, nunca substituindo-se a ela. Finalmente, não posso terminar sem lembrar que tão (ou mais) importante que prevenir os comportamentos sexualmente desadequados que um indivíduo com SA possa ter, é importante defendê-lo de ser sexualmente abusado e protegê-lo das eventuais consequências desse abuso. A dificuldade no entendimento de segundos sentidos torna as pessoas com SA especialmente vulneráveis a serem enganadas e abusadas. É função de pais e educadores estarem atentos a este facto e vigilantes, sem contudo se tornarem super protectores ou invasivos da sua privacidade. Promover a autonomia do jovem com SA procurando, ao mesmo tempo, evitar que ele se coloque em risco, constitui mais um exercício de equilíbrio que nem sempre é fácil de alcançar, mas do qual nunca podemos desistir. Referências Bibliográficas: Klin, A., Volkmar, F. R. & Sparrow, S. S. (Eds.). (2000). Asperger Syndrome. New York: The Guilford Press. Gillberg, C. (2002) A guide to Asperger Syndrome. Cambridge: Cambridge University Press. Gillberg, C.& Coleman, M. (2000). The Biology of the Autistic Syndromes. London: Cambridge University Press. Hollander, E. (Ed.). (2003). Autism Spectrum Disorders. New York: Marcel Dekker. Volkmar, F. R., Rhea P., Klin A. & Cohen, D. (Eds.). (2005). Handbook of Autism and Pervasive Developmental Disorders. New Jersey: John Wiley & Sons. Houston, R. & Frith, U. (2000). Autism in History. The Case of Hugh Blair of Borgue. Oxford: Blackwell. Rao PA, Beidel DC, Murray MJ. (2008). Social skills interventions for children with Asperger’s syndrome or high-functioning autism: a review and recommendations. J. Autism Dev Disord. 38(2):353-61. Stokes M., Newton N., Kaur A. (2007). Stalking, and social and romantic functioning among adolescents and adults with autism spectrum disorder. J Autism Dev Disord. 37(10):1969-86. Frith, U. (1991). Autism and Asperger Syndrome. New York: Cambridge University Press. Williams White S, Keonig K, Scahill L. (2007). Social skills development in children with autism spectrum disorders: a review of the intervention research. J Autism Dev Disord. 37(10):1858-68. Uma Associação em prol da Mudança de Atitudes Piedade Monteiro – Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger Em 2003, foi-nos lançado um desafio pelo Dr. Nuno Lobo Antunes para formarmos uma Associação, que congregasse algumas das famílias que chegavam até ele perdidas, desanimadas, cansadas de caminhar do médico para o psicólogo e deste para o psiquiatra, sem nada apurarem de concreto em relação à forma desconcertante como os seus filhos cresciam, se relacionavam e interagiam com o Mundo. Assim nasceu a Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger1, tendo como objectivo a implementação de todas as acções relacionadas com os aspectos científicos, educacionais, investigacionais e sociais de divulgação e sensibilização sobre a Síndrome de Asperger (SA). O nosso trabalho tem-se espalhado por todo o território Nacional e contamos já com uma delegação no Porto, que assenta principalmente nas áreas da educação. Atendendo que é na escola que os problemas acontecem, temos tido uma acção directa de intervenção, através do nosso projecto Gaivota que, de acordo com as solicitações dos pais ou das escolas, consiste em organizar sessões de sensibilização e informação sobre a SA. Esta acção é feita por pais e, só em casos excepcionais, levamos connosco técnicos. Fazemos esta caminhada de Norte a Sul do País e nas Ilhas. Somos parceiros do Ministério da Educação com quem trabalhamos especificamente na implementação das Unidades de Ensino Estruturado e respectivas normas. Temos com assiduidade convites para participar em seminários, conferências e recebemos, frequentemente, a visita de jovens estudantes dos vários ciclos, muitos deles do ensino superior, para que com a nossa ajuda possam saber mais sobre este tema, o que nos dá grande prazer e muita responsabilidade, pois serão eles os professores, psicólogos e médicos de amanhã. A forma como eles irão encarar este tema depende muito desta nossa ajuda. Ainda ligado à educação, é nossa preocupação aumentar o material que permita a informação científica e geral sobre este tema. Assim, em parceria com a Editorial Verbo, traduzimos e editámos quatro livros sobre a Síndrome de Asperger, para além dos nossos folders informativos. A nossa página Web também tem todo o tipo de informação devidamente revista por especialistas. Ainda neste capítulo da educação, mas já entrando no âmbito da saúde, uma vez que pensamos que esta poderá ser uma forma de alerta para diagnósticos, principalmente diagnóstico precoce e, igualmente, para a prevenção da depressão, da ansiedade que leva por exemplo à auto-marginalização e do insucesso escolar das pessoas com SA, temos, ainda, organizado diversos seminários, alguns deles com oradores de reconhecimento internacional neste assunto, como Tony Attwood, Gilberg, Ami Klin, Nuno Lobo Antunes, Carlos Filipe, Uta Frith, Rutger, Guiomar Oliveira, entre outros. Os seminários mais importantes foram, sem dúvida, o de Mirandela em 2005, com a presença de cerca de 400 pessoas, e o do 1.º Congresso Internacional, em Santa Maria da Feira, com cerca de 500 pessoas, no Ano Internacional de Asperger em 2006. Por aqui se vê o interesse e a necessidade que existe em saber mais sobre a SA e a preocupação em entender esta população, que para nós é uma premissa muito importante. E porque esta parte de entender a SA tem tudo a ver com a família, ela é a nossa preocupação desde o início. Assim, desde que a APSA nasceu que fazemos atendimento telefónico, por uma linha e horário específico. Na nossa sede fazemos atendimento às famílias sempre que necessário com marcação de dia e hora e também temos reuniões mensais de pais em 3 pontos do País: Estoril, Seixal, Matosinhos (sede do Norte). De notar que todas as actividades mencionadas estão devidamente repartidas pela Delegação do Norte que tem feito um trabalho notável. Estas reuniões têm a particularidade de, muitas vezes, se transformarem em reuniões dos próprios Aspergers, que acompanham os pais e acabam por interagir connosco, o que é muito positivo. O trabalho feito com as famílias é, essencialmente, de acompanhamento, mas não técnico, uma vez que não temos na associação médicos, terapeutas, etc. Partilhamos experiências, testemunhos e encaminhamos as pessoas, demonstrando como fazer a todos os níveis, saúde, educação, jurídico e social. Enfim, damos a cana e ensinamos a pescar, mantendo sempre a embarcação bem junto do pescador para o fazer chegar a bom porto. Fazemos também muitas actividades com as crianças e jovens, nomeadamente, visitas a exposições em ateliers de artes plásticas, em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, por exemplo, visitas ao Jardim Zoológico, baptismo de voo ao Funchal com a PGA Airlines, colónias de férias, vela adaptada e piqueniques anuais. Estas actividades são uma forma saudável dos nossos jovens se conhecerem e das famílias poderem conviver e sentir que não estão sós, para além de ser um espaço de passagem de testemunho e troca de experiências valiosíssimas. A APSA vai crescendo, os nossos filhos também. E o Futuro? O projecto “Casa Grande” nasceu da necessidade de inserir os jovens a partir dos 16 anos, em curso de formação profissional adaptado às suas capacidades e interesses. Este projecto só foi possível através da parceria feita com a Câmara Municipal de Lisboa que, através de um protocolo assinado a 29 de Julho de 2009, renovável por 20 anos, cedeu uma casa que necessita de grandes obras de reabilitação. Este será um espaço de formação, de treino de competências sociais e de emprego temporário, favorecendo a integração social e profissional, tendo em vista a construção de um projecto de vida, com maior autonomia e dignidade. A particularidade deste projecto é tornar-se auto-sustentável, uma vez que todos os serviços são abertos à comunidade. Como presidente da APSA, estou convicta que esta associação tem a sua Missão assente nos afectos, pelo facto de estarmos efectivamente junto das pessoas, no terreno, no cenário dos problemas e, a partir daí, tentarmos ajudar na sua resolução, tentando assim mudar o que é possível mudar, com uma atitude sensata e pacífica, mas sempre atenta e dinâmica. Estamos ao dispor desta causa e envolvidos nesta missão que consiste na inclusão das pessoas com Síndrome de Asperger! Sede da APSA: Largo do Amor perfeito, 9ª – Loja 1, Adroana 2645-630 Alcabideche Tel: 214 605 237 – 961 041 214 E-mail: geral@apsa.org.pt Página Web: www.apsa.org.pt Delegação do Norte: Urbanização Ponte de Carro Rua Ponte de Carro 1251 B (Traseiras nº 1273) 4460-091 Guifões Matosinhos Tel: 229 515 108 – 967 252 242 E-mail: apsanorte@iol.pt Testemunho Desistir, nunca! Quem desiste, nunca chega lá! Alexis Fernandes Nasci em Janeiro de 1986, na Casa de Saúde da Carreira. Era para ser no dia de Reis mas adiaram para o dia seguinte. Dizem que era um bebé rechonchudo e comilão. Apenas com 4 meses começaram as dúvidas em relação à minha doença. Os meus pais andaram comigo de um lado para outro… da Madeira para Lisboa, depois Coimbra, ainda foram a Londres e, desde o momento em que disseram que eu era perfeitamente normal até ao veredicto, passaram-se alguns meses. Foi em Essen, na Alemanha, que confirmaram o que o Dr. Rui Vasconcelos (que na altura estava no Hospital Pediátrico de Coimbra) já suspeitava: tenho esclerose tuberosa, uma doença cerebral degenerativa e que tem, como uma das consequências, as crises epilépticas, no meu caso nocturnas. Isso fazia-me sofrer e eu, na altura, não sabia do que se tratava… julgava que eram apenas pesadelos. A minha família tardou um pouco em dizer a verdade completa, talvez por eu ser muito novo e não saberem qual seria a minha reacção. Em relação à escola, frequentei o Infantário dos Louros. Quando saí de lá fui para a pré-primária na Escola Básica do 1.º Ciclo da Cruz de Carvalho e depois para a Escola Básica do 1.º Ciclo dos Ilhéus, onde estive desde o 1.º até ao 4.º ano com a Prof.ª Guida, com quem aprendi muita coisa e que me deu as bases para ser bom aluno. Pelo caminho, fui apoiado por vários docentes da Educação Especial. Gostei em especial da professora Águeda e por isso fiquei com ela até ao 12.º ano. Do 5.º ano até ao 12.º ano (passei os anos todos seguidos sem perder nenhum, felizmente para mim) estive na Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco. Lá, fui sempre bem tratado pela Direcção e pelos docentes mas, infelizmente, nem sempre aconteceu o mesmo por parte de alguns dos meus colegas do 2.º e do 3.º Ciclo. Não me respeitavam e humilhavam-me. Como sabiam que eu era sensível e chorava facilmente, faziam de propósito para eu me zangar. Até que um dia o meu pai foi à turma falar com eles, deu-lhes um belo sermão e, felizmente, depois disso nunca mais voltaram a fazer o mesmo. Já os colegas do Secundário eram mais divertidos e eu gostava imenso de conversar com alguns deles. Em relação às disciplinas, eu gostava bastante do Inglês, da Educação Física e também um pouco da Matemática apesar de ter fugido dela no 10.º ano. Mas, era na Informática que mais me destacava. Sempre que havia alguma disciplina com computadores, lá ia eu tirar notas altas. Nos exames, safei-me logo à primeira. Uns tempos depois eis que surgiu o trabalho e imaginem onde… logo na Direcção Regional de Educação Especial e Reabilitação, quem diria! Justamente com quem me tinha dado apoio. A minha paixão hoje em dia é a música. Não posso viver sem ela. Adoro cantar, gostava de um dia ser artista, quem me conhece sabe bem que é isso que eu quero e sabe que não desisto daquilo que mais desejo, mesmo que a missão pareça impossível. Já cantei em vários concursos, ganhei a “Melhor Voz de Santa Cruz” e participei nalguns concursos de karaoke, de entre os quais destaco o Campeonato do Mundo que teve lugar na Finlândia, onde representei Portugal. Aproveito para manifestar o meu carinho e reconhecimento por todos aqueles que gostam de mim e estiveram comigo desde sempre e desejo a maior coragem àqueles que hoje em dia ainda lutam pelos seus objectivos, seja na escola, na música, na profissão, na família. Desistir, nunca! Quem desiste, nunca chega lá! Espaço Psi Intervenção psicológica na Síndrome de Asperger Isabel Pinto - Serviço Técnico de Educação para a Deficiência Intelectual A Síndrome de Asperger (SA) é uma perturbação do desenvolvimento e, como tal, as suas manifestações vão-se modificando com a idade. Cada etapa de vida envolve características particulares, mais determinantes numa ou noutra esfera, pressupondo diferentes orientações. Este artigo debruçar-se-á, em especial, sobre as características e áreas alvo de uma intervenção psicológica, sem esquecer, no entanto, que é impossível intervir num aspecto, sem tocar uma variedade de outros, de uma ou outra forma relacionados. Paralelamente reporta-se ao trabalho com crianças, que envolve necessariamente uma maior articulação com pais e outros profissionais, até porque muitas das medidas preconizadas, pressupõem uma acção conjunta, sistemática e continuada. Uma pessoa com SA é considerada diferente, sobretudo pela forma invulgar como se comporta em sociedade e pela sua dificuldade de comunicação. As crianças mais novas demonstram falta de reciprocidade socioemocional e, como tal, têm tendência a dominar a interacção. São mais individualistas, revelando falhas ao nível das brincadeiras sociais – toleram o contacto social, desde que as outras crianças concordem com as suas escolhas e aceitem as suas regras, permitindo-lhes assim ter o controlo da actividade. Como seguem os seus interesses pessoais, sem se preocupar com os outros, não se vêem como membro de um grupo de pares, preferindo a interacção com os mais velhos que consideram mais interessantes, informados e condescendentes com a sua falta de consciência social. Até certa idade, são indiferentes ao isolamento social mas, conforme vão crescendo, adquirem maior consciência e sentem-se motivadas para a convivência e amizade porém, tendem a ser rejeitadas pela sua imaturidade e rigidez. O conhecimento de certos aspectos do comportamento social, tais como as regras e os códigos de interacção, é difícil de identificar, compreender e adoptar pelas crianças com SA, mas elas têm capacidades de aprendizagem. Nesse sentido, torna-se necessário fomentar as brincadeiras sociais e actividades com crianças do mesmo grupo etário, promovendo as competências inerentes e modelando formas de agir: ensinando-lhes comentários e acções socialmente adequadas, que lhes permitam iniciar, manter e terminar uma brincadeira; modelando o relacionamento, encorajando comportamentos mais tolerantes, flexíveis e cooperativos, mostrando-lhes que não há nada de errado se uma actividade for realizada de forma diferente, se não controlarem ou não ficarem em primeiro lugar, se admitirem negociar, partilhar e alternar; desenvolvendo o “jogo simbólico”; mostrando-lhes os efeitos do seu comportamento nos sentimentos dos outros, encorajando-as a ter iniciativas mais positivas, nomeadamente, na resolução de conflitos, a demonstrar carinho e preocupação, a tecer elogios e a pedir ajuda. A par das suas dificuldades em saber como actuar e em calcular o resultado do seu comportamento nos outros, as crianças com SA manifestam também problemas em manter uma conversa, revelando menores capacidades quanto às competências linguísticas, sobretudo na área da pragmática, ou seja, no uso da linguagem em contexto social. Estas crianças podem ser bastante faladoras ou, pelo contrário, falarem muito pouco. Normalmente, o entusiasmo por certas questões faz com que tenham um discurso excessivo e infindável, dominando as conversas, mas em certos momentos, ficam genuinamente “sem palavras”, fazendo longas pausas antes de responder ou mudar de assunto. Têm tendência para comentários irrelevantes e descontextualizados, interrompem os interlocutores, bombardeiam-nos com questões e só terminam de falar quando dizem o que tinham premeditado ou ensaiado. Revelam pouca consciência do efeito do seu discurso, pois não atendem aos sinais dos outros e partem do principio que estes estão a pensar exactamente na mesma coisa que elas. Apresentam menor número de comentários espontâneos e falham na competência para criticar e dar opiniões. Interpretam as coisas de forma literal e não sabem quando devem escutar ou olhar para o outro. Fazem um uso idiossincrático e original da linguagem. Como tal, revela-se fundamental ensinar-lhes algumas técnicas de conversação, que envolvam também determinados códigos socioculturais: formas apropriadas de iniciar e manter uma conversa, usando declarações e comentários convencionais e actuando de forma adequada ao contexto; prestar atenção e estabelecer contacto visual; reconhecer os sinais indicativos do momento de responder, interromper ou mudar de assunto; ultrapassar a tendência para fazer comentários irrelevantes e aprender a silenciar os pensamentos; pedir esclarecimentos quando têm dúvidas e lidar com a incerteza ou com os erros; perceber os significados ocultos ou implícitos, o sarcasmo ou a ironia, a mentira, os trocadilhos e as figuras de retórica. Uma outra característica das crianças com SA é a falta de empatia. Isso não significa que elas não tenham capacidade para gostar dos outros, mas sim que têm dificuldade em perceber as suas emoções, tal como elas próprias têm menor expressividade emocional, fazendo-o, muitas vezes, de forma invulgar e desadequada. Por outro lado, revelam também uma ausência de variedade e de profundidade expressiva, quer relativamente à linguagem corporal, quer quanto às expressões faciais, ficando sujeitas a más interpretações. Denotam ainda problemas de auto-revelação, não tendo capacidade ou palavras para descrever os seus estados emocionais, mesmo quando estão visivelmente alteradas. Mais uma vez, torna-se indispensável ajudá-las a interpretar as emoções, ensinando-as a ler e a responder aos sinais indicativos de diferentes níveis de emoção, bem como a explorar acontecimentos e circunstâncias, que provocam determinados sentimentos tanto nos outros, como em si, ensinando-as, de igual modo, a expressar as suas próprias emoções, utilizando frases e acções mais adequadas aos diferentes contextos. Um outro aspecto, que acaba por ser mais um resultado de uma série de elementos, é o facto de as crianças com SA serem habitualmente muito ansiosas, o que advém das pressões que sentem devido ao contacto social, às alterações das rotinas, às expectativas dos outros e à hipersensibilidade a certos estímulos sensoriais, etc. Toda esta combinação de factores gera naturalmente ansiedade, cujos níveis são muito variáveis e alternados. As crianças poderão gerir a sua ansiedade refugiando-se no seu interesse especial, que se torna mais intenso, mas também poderão apresentar uma maior inflexibilidade cognitiva e uma maior insistência nas rotinas, aumentando assim os indicadores da sua síndrome. Quando os níveis de ansiedade são reduzidos, poder-se-á recorrer a um programa de gestão da tensão, alterando algumas actividades e propondo outras, que promovam a descontracção, a satisfação ou a distracção, bem como exijam esforço físico. Porém, quando os níveis de ansiedade são muito elevados, haverá que recorrer à intervenção clínica. Mas, as fontes de tensão poderão conduzir também à depressão ou a manifestações de ira e de fúria, como reacção à frustração. O tratamento da depressão pode passar pela medicação, mas igualmente por programas que lidem com os factores que estão na sua origem. A intervenção na agressividade passa por técnicas específicas de relaxamento ou procura de soluções alternativas, de forma a promover um maior auto-controlo. Por último, refira-se o interesse especial que as crianças com SA têm por determinados objectos ou assuntos, bem como a tendência para a imposição de rotinas. Um traço essencial desses interesses é a intensidade e o facto de se tratar de uma actividade frequentemente solitária e idiossincrática, que domina a criança, tornando-se uma fonte de prazer e descontracção, criando um sentimento de ordem e consistência. Assim, será necessário desenvolver um acesso controlado e limitado a esses interesses, procurando usá-los de forma construtiva para aumentar a motivação para a aprendizagem e para o contacto social. As rotinas existem para assegurar a estabilidade e a previsibilidade, bem como reduzir a ansiedade e a angústia. No entanto, é importante procurar estabelecer compromissos e experimentar alternativas, além de lhes ensinar o conceito de tempo e procurar criar horários em que se introduza a mudança. Bibliografia: Attwood, T. (2006). A Síndrome de Asperger – Um guia para pais e profissionais. Lisboa: Verbo Antunes, N.L. (2009). Mal-entendidos. Verso de Kapa Attwood, T. (2009). Precisamos de pessoas com Asperger. Revista Pais&filhos www.apsa.org.pt www.cadin.net Espaço Pequenos Gestos…Grandes Causas! “Pequenos gestos…grandes causas” é o lema de pessoas que trabalham numa instituição cuja opção de educação e ensinamentos assentam em valores intemporais de tolerância, respeito e igualdade na diferença. Neste sentido, pretendemos formar/educar cidadãos livres, responsáveis, solidários, membros de uma sociedade mais justa e verdadeira. Esses princípios que defendemos e de que nos honramos de praticar são dados através de lições de “temas de vida, partilha de espaços, vivências e regras de vida em comum”. São gestos e palavras que nos ensinam a tomar as grandes e pequenas opções que encontraremos ao longo da vida e, nos quais reside a diferença na maneira como cada criança se envolve no Mundo. Quanto mais cedo essa apreensão tiver um profundo sentido ético mais rapidamente a vontade colectiva dos que se envolveram nesse processo de aprendizagem mais cedo são adquiridos os valores morais que fundamenta a atitude humana. É neste contexto de partilha, aprendizagem e envolvência que as crianças desta instituição abrem a alma e o coração a “grandes projectos”, atitudes que transportam para a família e para a sociedade em geral. No início de cada ano lectivo, atentos aos demais e cientes da importância da Declaração Universal dos Directos da Criança, a instituição abraça um projecto solidário, que fará parte do Projecto Educativo e das actividades desenvolvidas. O projecto “Cadeira para o Pedro” foi recebido com alma e coração por todos aqueles que nele se envolveram. Louvo agora todos os que nele estiveram presentes e sempre a meu lado. Uma equipa de trabalho sem igual, um grupo de crianças empenhadas e um grupo de pais generosos, sempre dispostos a partilhar e a continuar os princípios solidários dos seus educandos. Juntaram-se, ainda, a este grupo empresas solidárias como a Porto Santo Line, Vasconcelos e Abreu e a CIR. Dos grandes corações e das mãos habilidosas de todos saíram coisas simples: uma feira de oportunidades, venda de rifas e uma exposição e venda de telas, fizemos a “diferença” na vida do Pedro. É também assim que vamos fazer a diferença em todos os projectos que pretendemos continuar a envolver. Depois da cadeira do Pedro, o próximo será “o transporte para muitos Pedros”. Vamos continuar a ensinar/educar com as “mãozinhas cheias de magia” das crianças desta instituição e futuros homens do amanhã que acreditam e percebem que são pequenos gestos que concretizam grandes projectos. Espaço TIC BookWorm O BookWorm é uma ferramenta de inclusão que transforma qualquer livro num “livro falante” e potencia a comunicação nos utilizadores com Perturbação do Espectro do Autismo. Cada módulo de memória do BookWorm contém 8 minutos e permite gravar até 32 páginas, sendo possível, por exemplo, adaptar dois livros ricos em texto ou quatro livros pequenos. Para proceder à adaptação de um livro basta colocar uma etiqueta autocolante (fornecidas com a unidade) em cada página do livro favorito do aluno e efectuar a gravação da história, página a página. Comercialização: Anditec, Tecnologias de Reabilitação, Lda. - Alameda Roentgen, 9 C - 1600-757 Lisboa - Tel: 217 110 170 Fax: 217 110 179 - E-mail: anditec@mail.telepac.pt - Página Web http://www.anditec.pt Magic Eye O Magic Eye é uma aplicação informática que permite que pessoas com a fala e os movimentos comprometidos possam controlar o rato do computador apenas com os olhos. Esta solução utiliza uma câmara de alta definição para adquirir as imagens dos olhos do utilizador a uma frequência de 45 imagens por segundo, através das quais é determinado o local do monitor para onde a pessoa está a olhar, o que, por sua vez, permite controlar o movimento do cursor do rato. Para poder utilizar este equipamento é necessário um computador com uma porta USB 2.0, recomendando-se um CPU com uma velocidade mínima de 3.0 GHz. De salientar que a Magic Eye já está oficializada como ajuda técnica com o n.º ISO 241006-590. Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico da Guarda - Avenida Dr. Francisco Sá Carneiro, 50 - 6301-559 Guarda - Tel: 271 220 120 / 271 220 165 - Fax: 271 220 150 - E-mail: magickey@ipg.pt - Página Web http//:www.magickey.ipg.pt. Clearnote O Clearnote é um ampliador vocacionado para o ensino. Através da ligação à porta USB de um computador, esta tecnologia amplia os textos colocados sobre uma mesa. Pode ainda, rodando a câmara 90 graus, ampliar com grande potência uma imagem do quadro da sala de aula, permitindo ao aluno ler o que o professor escreveu. Esta ferramenta, fornecida numa mala de transporte, possui baterias recarregáveis para uma total autonomia e inclui, igualmente, uma base para colocar sob o computador portátil. Comercialização: Electrosertec, Lda. - Rua Combatentes da Grande Guerra, 51-B Moscavide - Tel. 219 435 183 - Fax. 219 435 184 - E-mail: info@electrosertec.pt. - Página Web: http://www.electrosertec.pt Intelligaze IG - 30 O sistema IG - 30 permite ao utilizador controlar o computador através do olhar sobre o ecrã, possibilitando que pessoas que tenham movimentos muito limitados consigam, por exemplo, comunicar de uma maneira independente. A fácil montagem e a maneira intuitiva de operar o software e o hardware permitem um elevado grau de liberdade ao utilizador. O sistema modular permite que pessoas com esclerose múltipla, lesões vertebro-medulares, paralisia cerebral, entre outras doenças degenerativas, continuem a utilizar o ecrã táctil, um sistema de varrimento ou ainda o sistema de interacção pelo olhar. Comercialização: Anditec, Tecnologias de Reabilitação, Lda. - Alameda Roentgen, 9 C - 1600-757 Lisboa - Tel: 217 110 170 Fax: 217 110 179 - E-mail: anditec@mail.telepac.pt - Página Web http://www.anditec.pt Livros Compreender a Síndroma de Asperger Autores: Val Cumin, Julia Dunlop & Gilles Stevenson Editora: Porto Editora Colecção: Educação e Diversidade Ano: 2006 Compreender a Síndroma de Asperger é uma obra fundamental para docentes, psicólogos e outros profissionais que trabalham com esta população, bem como para pais e familiares de crianças com esta desordem. Este livro é um excelente guia, claro e conciso, de práticas eficazes para a sala de aula, em contextos escolares regulares ou outros ambientes educacionais, uma vez que delineia as dificuldades subjacentes e as respectivas implicações educativas, oferecendo orientação na avaliação e diagnóstico. Paralelamente, fornece estratégias para uma intervenção efectiva, reflectindo sobre os desafios comportamentais introduzidos pelas crianças com Síndrome de Asperger. Diferenciação Pedagógica e Diversidade - Ensino de Alunos em Turmas com Diferentes Níveis de Capacidades Autora: Carol Ann Tomlinson Colecção: Educação Especial Editora: Porto Editora Ano: 2008 Para além de estratégias testadas na prática, exemplos e informação que os professores poderão adaptar e usar nas actuais e diversificadas salas de aula, este livro demonstra como utilizar os níveis de preparação, interesses e perfis de aprendizagem dos alunos para abordar a sua diversidade. Além disso, a autora mostra, com exemplos práticos, como diferenciar, ou estruturar, as aulas em qualquer nível de ensino e área de conteúdo, providenciando “scaffolds/estruturas de apoio” para o conteúdo das aulas, os processos utilizados na aprendizagem e os produtos da aprendizagem. As estratégias incluem compactação de currículo, investigações “à margem”, níveis de entrada, organizadores gráficos, contratos e portefólios. A(s) Indisciplina(s) na Escola - Compreender para Prevenir Autores: João da Silva Amado e Isabel Pimenta Freire Editora: Almedina Ano: 2009 Na escola, os conceitos de disciplina e de indisciplina estão associados às necessidades dos seus membros se regerem por normas e regras de conduta e de funcionamento que facilitem a integração e a convivência social. Para além de uma forte conotação com princípios reguladores da vida na organização escolar, estes conceitos possuem, ainda, uma dimensão que os aproxima da cidadania, do respeito mútuo e da capacidade de autocontrolo. Estes conceitos assumem um carácter polissémico e inscrevem no seu interior uma grande diversidade de fenómenos que exigem que se convoquem múltiplos factores para a sua integral compreensão e para uma intervenção fundamentada. Legislação Formação Profissional e Inclusão Laboral Outros Trilhos... Face à necessidade de formação e inserção profissional de pessoas com deficiência e/ou incapacidades e atendendo à sua importância para os próprios, para as famílias e para a sociedade em geral, surge o Decreto-Lei n.º 290/2009, de 12 de Outubro, que cria o Programa de Emprego e Apoio à Qualificação das Pessoas com Deficiências e Incapacidades. Este Programa promove a criação de um conjunto de medidas para reforçar as políticas activas de emprego para pessoas com deficiência. Este programa define como prioridades a promoção da inserção no mercado de trabalho de pessoas desfavorecidas e o combate à discriminação. Estas concretizam-se através da implementação de uma nova geração de programas específicos de emprego para apoiar a integração socioprofissional dos grupos em risco de exclusão do mercado de trabalho e da mobilização dos recursos e factores locais com competências especializadas. Pretende-se, desta forma, reforçar a articulação dos centros de emprego e de formação profissional com a rede de centros de recursos, criada para apoiar a inserção das pessoas com deficiências e incapacidades. Assim, o programa consagra medidas destinadas especificamente a esta população, que apresenta dificuldades no acesso, manutenção e progressão no emprego, sem prejuízo do recurso às medidas gerais de emprego e formação profissional, que, aliás, em alguns casos prevêem certas especificidades. As diversas modalidades de apoio são: o apoio à qualificação (que integra a formação profissional); apoios à integração; manutenção e reintegração no mercado de trabalho (que se desenvolvem em acções de informação, avaliação e orientação para a qualificação e emprego, apoio à colocação, acompanhamento pós-colocação, adaptação de postos de trabalho, eliminação de barreiras arquitectónicas e isenção e redução de contribuições para a segurança social), emprego apoiado e prémios de mérito. No âmbito do emprego apoiado, com uma abrangência maior do que as anteriores modalidades de emprego protegido, integram-se a realização de estágios de inserção e de contratos emprego-inserção, centros de emprego protegido e contratos de emprego apoiado em entidades empregadoras, reconfigurando--se ainda o prémio de mérito. O processo de atribuição dos apoios deve, sempre que possível, ser acompanhado pelos serviços de saúde ocupacional da respectiva entidade empregadora. Por outro lado, este programa define o regime de concessão de apoio técnico e financeiro aos centros de reabilitação profissional de gestão participada, às entidades de reabilitação, bem como a criação de uma rede de centros de recursos de apoio à intervenção dos centros de emprego, a credenciar pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP, e de um Fórum para a Integração Profissional. Notícias “Aconchego Colorido” Revista Diversidades No passado dia 29 de Julho, foi assinado um protocolo entre a Associação de Solidariedade Social para o Desenvolvimento e Apoio a Crianças e Jovens (CRIAMAR), a Secretaria Regional de Educação e Cultura, pela Direcção Regional de Educação Especial e Reabilitação e a Sociedade “Mundo da Imaginação - Projectos de Animação Turística, S.A.”, com o objectivo de criar o Programa “Aconchego Colorido”. Este programa é uma parceria público-privada, no âmbito da responsabilidade social, que pretende aprofundar, operacionalmente, o conceito operativo tripartido “DDD” (Deficiências, Dificuldades e Desvantagens), desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, no âmbito dos estudos comparados no domínio das necessidades educativas especiais. A cerimónia, que decorreu no auditório do Madeira Magic, contou com a presença do Secretário Regional de Educação e Cultura, da Directora Regional de Educação Especial e Reabilitação, do Presidente da CRIAMAR, do Vice-presidente do Grupo Pestana, bem como de representantes de outras entidades públicas e privadas. No encerramento, foram assinados os Acordos Individuais de Voluntariado. Inauguração do CAO Camacha Revista Diversidades Foi inaugurado, no passado dia 6 de Outubro, o Centro de Actividades Ocupacionais (CAO) da Camacha - Santa Cruz. A cerimónia de abertura teve início com a actuação de um grupo de alunos do 5.º ano da Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos Dr. Alfredo Ferreira Nóbrega Júnior que, entusiasticamente, entoou o Hino da Região. Em seguida, foi a vez do Ricardo que, em nome de todos, enfatizou a importância deste novo CAO no processo de reabilitação psicossocial: “O CAO da Camacha vai permitir a concretização de um desejo comum da nossa comunidade educativa, das nossas famílias, dos nossos amigos e de nós, utentes do CAO. Este novo espaço irá possibilitar a continuidade de todo um trabalho que vem sendo desenvolvido connosco ao longo dos anos. Por outro lado, com o Centro de Actividades Ocupacionais, junto das nossas residências, vai permitir o desenvolvimento adequado das nossas capacidades e explorar novas realidades. Assim, cresceremos enquanto pessoas e cidadãos. Neste espaço, teremos oportunidade de pôr um pouco de cada um de nós nas actividades que iremos desenvolver e dar a conhecer. Estas serão importantes para a nossa autonomia, independência e participação na nossa comunidade (...)”. Esta cerimónia contou com a presença do Secretário Regional de Educação e Cultura, do Presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz, da Directora Regional de Educação Especial e Reabilitação, de algumas entidades locais municipais e dos jovens utentes com necessidades especiais (NE) e suas famílias. Este Núcleo, que irá apoiar 17 utentes, com NE com idades superiores a 16 anos, residentes no concelho de Santa Cruz, conta com a colaboração de uma equipa multidisciplinar. Um Gesto de Solidariedade Revista Diversidades Após mais de dois anos de espera, Pedro Achada, um jovem de 20 anos da Fajã da Ovelha, com paralisia cerebral profunda, recebeu, no passado dia 14 de Outubro, uma cadeira de rodas que vem melhorar substancialmente a sua qualidade de vida. O Jardim Escola João de Deus, uma instituição pública de solidariedade social, tornou este sonho realidade, levando a cabo inúmeras iniciativas, entre exposições, feiras e venda de rifas, que contaram, desde logo, com o apoio dos pais das crianças que a frequentam. Assim, auferiram o montante necessário à aquisição da cadeira de rodas que teve de ser adquirida fora do território nacional e adaptada desde o momento do seu fabrico. Esta cadeira com assento moldado vai permitir que o Pedro, que estava impossibilitado de sair de casa há mais de dois anos, possa passar mais tempo sentado e se desloque com maior facilidade, uma vez que é facilmente instalada num automóvel. Nessa tarde, animada pelas crianças que melodiosamente entoaram o Hino João de Deus e outras canções, o Pedro recebeu ainda inúmeras prendas das mãos de diversas crianças do Jardim Escola, entre elas, um quadro, uma fotografia das crianças, bem como um livro pintado e assinado por todos. Maria do Céu Cabral, Directora do Jardim Escola João de Deus, para além de sublinhar a adesão em massa por parte dos pais das crianças para ajudar o Pedro, fez questão de relembrar a Lei do Mecenato e sublinhar que, com a boa vontade de todos, se consegue ajudar quem mais necessita. Este foi o apelo, mas também a promessa de continuar o trabalho solidário até então desenvolvido… Romeu e Julieta na Diferença... Revista Diversidades O grupo Dançando com a Diferença estreou, no passado dia 23 de Outubro, no Centro das Artes - Casa das Mudas, a sua mais recente produção, a história intemporal “Romeu e Julieta”, com coreografia e direcção de Arthur Pita. Nesta criação, o coreógrafo optou por colocar Julieta numa cadeira de rodas, estabelecendo um paralelismo com o facto da personagem, cuja família é superprotectora, estar presa dentro da sua casa, na medida em que uma pessoa nestas condições também está presa, atendendo à sua realidade. “Ela está à procura de liberdade e o ‘Romeu’ traz-lhe isso. O ‘Romeu’ não vê uma pessoa com limites, vê uma pessoa com potencial.” Arthur Pita afirmou não sentir quaisquer dificuldades em adaptar-se ao grupo madeirense, ainda assim, afirmou que a parte mais complicada foi distribuir os papéis. “Sara Isabel” Projecto de Consciência Fonológica-Linguística Luísa Garcês e Maria José Fernandes - Centro de Apoio Psicopedagógico de Câmara de Lobos Maria José Abreu e Paula Silva - Escola Básica do 1.º Ciclo com Pré-Escolar da Lourencinha O desenvolvimento da oralidade e da capacidade de reflexão sobre a língua são competências facilitadoras da aprendizagem da leitura e da escrita. Com base nestes pressupostos, nasceu o Projecto “Sara Isabel” que pretendia desenvolver a oralidade e a capacidade de reflexão sobre a mesma, no âmbito do Programa de “Consciência Fonológica-Linguística”. Assim, este projecto apresentou como principal objectivo dotar as crianças de conhecimentos e de competências na área da consciência fonológica, desenvolvendo esforços para a cooperação da família, de forma a tornar a intervenção mais eficaz. Este plano de intervenção foi aplicado às turmas do pré-escolar da Escola Básica do 1.º Ciclo com Pré-Escolar da Lourencinha, orientado pela terapeuta da fala e pela docente especializada, em colaboração com a docente do ensino regular, com uma frequência semanal e duração de 30 a 45 minutos. Para cada sessão foram planeadas várias actividades adequadas às necessidades e ao nível de aprendizagem das crianças. O trabalho realizado foi de âmbito cooperativo, envolvendo todas as crianças do grupo, com e sem dificuldades fonológicas. Além desta implementação, a docente do ensino regular, reforçava as actividades, adaptando e enquadrando-as nas temáticas desenvolvidas na sala, de acordo com os respectivos projectos pedagógicos e com as características e motivação das crianças. Cientes de que a consciência fonológica é uma habilidade necessária para a aprendizagem da leitura, consideramos que este programa contribuiu para a melhoria das habilidades metafonológicas e linguísticas dos alunos, munindo-os de melhores “ferramentas”, numa tentativa de contribuir para o sucesso escolar. Café Gestual Revista Diversidades No passado dia 15 de Novembro comemorou-se o Dia Nacional da Língua Gestual Portuguesa (LGP). O Serviço Técnico de Educação para a Deficiência Auditiva teve uma notável iniciativa, que decorreu no Café Apolo, no Golden Gate e no Café Teatro, ao promover a oportunidade da comunidade em geral frequentar um Café Gestual e interagir com a LGP. Para além desta inédita e original iniciativa, decorreu igualmente uma missa na Igreja do Colégio, assinalada com a leitura do Evangelho por um surdo. Desta forma, foi sublinhada a importância da LGP, reconhecida como língua da comunidade surda em Portugal.